Andam querendo censurar os livros infantis de Monteiro Lobato.
Motivo: racismo. Exatamente, o Monteiro Lobato da Narizinho, Emília, Pedrinho,
Dona Benta, Tia Nastácia, Tio Barnabé, Visconde de Sabugosa e Cuca! Personagens
da infância de tantos, há mais de 50 anos. E querem enquadrá-lo no racismo,
banindo um de seus livros, mais especificamente o “Caçadas de Pedrinho”, da rede pública de ensino.
No STF tramita um Mandado de Segurança impetrado pelo Instituto de
Advocacia Racial, que alega haver na obra claros elementos racistas, como por
exemplo, um em que Pedrinho compara pessoas a macacos: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem
uma macaca de carvão” e “Não é a toa
que macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens.”. É preciso
um pouco de esforço interpretativo para considerar estes trechos “claros
elementos de racismo”.
Ou melhor, é preciso um grande esforço interpretativo para
considerar racista a obra infantil de Monteiro Lobato; este esforço é o da
descontextualização e o da má interpretação: é o “politicamente correto” lendo
sem entender.
Monteiro Lobato nasceu antes da abolição da escravatura, em 1882.
Ainda muito novo, herdou as fazendas do seu avô, o Visconde de Tremembé, e
passou a ser fazendeiro. Monteiro Lobato tinha todas as características do
típico brasileiro de elite de então, e o homem-médio daquela época convivia com
mais naturalidade com o preconceito. Não podemos fechá-lo no racismo de hoje em
dia, sendo a sua obra historicamente tão distante: é um atentado à
interpretação, uma leitura atemporal e tola.
Dizer que Monteiro Lobato pratica racismo em seus livros infantis é
permitir dizer que Machado de Assis também o pratica em várias de suas grandes
obras, chamando de pretos os empregados da casa de Bentinho, por exemplo, em “Dom Casmurro”. Trata-se também de uma
obra muito antiga e que, além de contextualização temporal, necessita a
percepção sutil de ironias e ambiguidades.
Vetar obras desse tipo por serem “racistas” é emburrecer a
interpretação de texto. Que capacidade interpretativa poderemos esperar de
crianças que só terão contato com textos assépticos? Textos sem as idiossincrasias
de personagens, que não retratam a vida cotidiana e que não possuam nada “ruim”
não permitem o exercício de julgamento sobre o que se lê.
Naturalmente, a leitura destas obras deve ser acompanhada pela
orientação hermenêutica dos professores e talvez até de advertências quanto ao
seu conteúdo, mas jamais simplesmente banidas, censuradas.
O que se pretende dizer com a censura do livro de Monteiro Lobato é
o mesmo que dizer que o governo espartano, há milhares de anos, era socialmente
atrasado por eliminar bebês com deformidades. Ora, é um dado histórico triste,
diga-se de passagem, mas é um dado histórico que deve ser abstraído dentro de
seu contexto histórico. Assim como Monteiro Lobato.
Espero que não cometam esse atentado, primeiro à literatura e, não
menos importante: à nossa inteligência.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 24 de novembro de 2012.