A mente humana funciona de um jeito
curioso: equações matemáticas, conclusões filosóficas, a saudade, o amor, entre
outras coisas que o cérebro produz inexplicavelmente. Muito embora os
cientistas estudem esses fenômenos todos os dias, ninguém sabe muito bem como a
nossa mente é capaz de produzir todas essas sensações. Mais do que isso, é
extremamente curioso o que o cérebro faz com todas essas informações, e como
ele as distribui ironicamente em nosso dia-a-dia.
A propósito, lembro-me das palavras
de Milan Kundera, em A Insustentável
Leveza do Ser, quando divaga sobre isso. Diz o autor tcheco que a mente
funciona com engrenagens, e que elas giram desencadeando sentimentos e emoções.
Segundo ele, a engrenagem da ereção, em um homem, normalmente está atrelada à
engrenagem da imagem de uma bela mulher, razão pela qual um homem talvez se
excite quando vê uma bela mulher; por outro lado, curioso seria se, por um
desígnio do destino, a engrenagem da ereção estivesse atrelada à engrenagem da
imagem de uma andorinha, e então inexplicavelmente um homem poderia ficar
excitado ao observar o voo de uma ave. Apesar da atecnia da explicação, não
vejo problemas no raciocínio; acho-o, inclusive, muito pertinente.
Certa vez, enquanto tomava um copo
d’água na cozinha, peguei-me fitando um saco de batatas timidamente posto no
chão, e a partir daí tive inúmeras lembranças do intercâmbio que fiz em
Portugal, já que a batata fazia parte inseparável das refeições portuguesas e
dos pratos servidos na Faculdade em que lá estudei. Comentei o caso com alguns
colegas e, para o meu espanto, todos narraram histórias parecidas: o cheiro de
algum aromatizante de ar que lembrava uma ex-namorada, uma sobremesa específica
que remontava a alguma data especial, ou mesmo uma colega que dizia que a água
Perrier a fazia lembrar de que não gostara de beber água na França. Vai
explicar! São as engrenagens do cérebro desencadeando, sabe-se lá por quais
motivos, as mais diversas sensações e memórias.
Cheguei à conclusão, depois de um
tempo, de que todos nós temos algumas coisas que, armazenadas pelo cérebro e irreverentemente
dispostas por ele, nos causam nostalgia, saudade ou nos fazem esboçar um tímido
sorriso de canto da boca. Pode ser, realmente, uma comida que nos remeta a
nossa infância, ou uma música que nos faça lembrar um show marcante, um quadro,
um filme. Qualquer coisa. Inevitável imaginar que, se todas as pessoas têm algo
do tipo, até os gênios deviam ter, em momentos de lazer ou em arroubos de brilhantismo,
coisas que neles desabrochavam lembranças curiosas...
A reflexão – por mais que pareça! –
não é sem propósito. Digo tudo isso (sobre batatas, perfumes, engrenagens e
lembranças) para pontuar o quão único e complexo é o gênero humano. É uma
obviedade, evidentemente. Mas o óbvio se esconde atrás do véu do cotidiano (tão
corrido!), e por vezes é necessário desvelá-lo, nem que seja por meio de uma
anedota destas.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 30 de novembro de 2013.