sábado, 26 de janeiro de 2013

Hugo Chávez de 1984


Na obra 1984, George Orwell descreve uma distopia caracterizada pelo totalitarismo de um partido que controla o passado, o presente e o futuro por meio de uma intensa propaganda política e vigilância da população através de câmeras e microfones. Uma das fortes marcas da narrativa de Orwell é o chefe deste Estado totalitário: o Grande Irmão. Trata-se de um rosto que ninguém jamais vira pessoalmente e que, mesmo assim, é tratado como um deus.

A atual crise política e institucional da Venezuela lembra um pouco o romance 1984: ninguém tem notícias concretas sobre Hugo Chávez, presidente da república, mas ele se mantém no poder, na popularidade e na qualidade de um semi-deus daquele país. As informações que são divulgadas são extremamente vagas, do tipo “Chávez está assimilando o tratamento” ou “a recuperação pós-operatória pode demorar um pouco”. A democracia já não é um dos fortes da Venezuela, e a ausência de seu líder só reforça a curiosa semelhança com o Estado totalitário de George Orwell.

É conveniente fazer um breve apanhado do que é a crise política que se instaurou na Venezuela. Hugo Chávez sofre de um severo câncer e está realizando o tratamento em Cuba, dos companheiros Raúl e Fidel Castro. Paralelamente, fora reeleito presidente da república, e ainda conseguiu operar uma manobra política para continuar no poder sem tomar posse, já que estava impossibilitado pelo câncer. Para Chávez, a posse do presidente é uma “mera formalidade”; para o Direito e para a Constituição venezuelana, a posse é um requisito de legitimidade da presidência, e a ausência deste requisito deveria ensejar novas eleições.

Infelizmente, em um Estado com instituições democráticas enfraquecidas, fazer valer a Constituição não é tão simples. Como diz Konrad Hesse, jurista alemão, para que uma constituição tenha força normativa, é necessário que haja entre as pessoas uma vontade de constituição, e essa vontade não parece estar presente entre os chavistas. Portanto, o governo venezuelano não convocou novas eleições e decidiu considerar Hugo Chávez como empossado (mesmo numa cama de hospital), numa evidente interpretação tendenciosa e descabida da norma constitucional, que jamais deveria curvar-se aos desmandos de um partido ou à saúde de um líder.

Um país não pode ficar sem presidente por tempo indeterminado, ou seja, até Hugo Chávez se recuperar da sua última cirurgia contra o câncer; tampouco pode o partido do governo flexibilizar a Carta Magna de uma república “democrática” para atender às suas conveniências. Como já foi dito, a democracia não é bem o forte da Venezuela. E se Hugo Chávez não se recuperar? Não me surpreenderia se se inventasse um mandato-por-correspondência, ou que depois até as eleições fossem consideradas “mera formalidade”. Pior: e se ele falecer? Bom, aí então veremos se finalmente o mundo conhecerá o Grande Irmão de George Orwell.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 26 de janeiro de 2013.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Um futuro possível sem os livros de papel


Certo dia, folheando uma revista semanal, vi uma charge que poderia ser descrita da seguinte forma: dois homens, com trajes medievais, conversavam diante de um livro. Um deles dizia: “interessante este tal de ‘livro’, mas, enquanto houver leitores, haverá o pergaminho”. O desenho é uma crítica das mais sagazes àqueles que dizem que o livro impresso permanecerá para sempre, enquanto houver quem goste de ler. Não é bem assim.

Conheço muita gente que não consegue fazer leituras muito extensas no computador e chega até a imprimir um texto para lê-lo em papel. Ler no papel é infinitamente mais prazeroso do que ler em uma tela, que causa dor nos olhos e desconforto nas costas. É aí que entram as inovações tecnológicas: os tablets, que evitam que nós fiquemos horas inclinados diante das telas de PC’s; e a folha eletrônica, espécie de tela que não possui brilho e não causa desconforto aos olhos.

Apesar de todo este avanço ao proporcionar qualidade de leitura em aparelhos eletrônicos, ainda há os que resistem à iminente transformação que vai chegar para todos, que é a mudança do livro escrito para o livro digital. Dizem que nada jamais substituirá o prazer de ler um livro, sentir o cheiro da folha nova, o peso do calhamaço de papel, a coleção de marcadores de páginas, as belas capas e estantes abarrotadas de títulos.

Realmente, talvez seja um prazer insubstituível. Podemos até supor que, à época da (hipotética) mudança do pergaminho para o livro, ler em pergaminho fosse extremamente mais prazeroso, um prazer insubstituível. Todavia, esta transição – meramente ilustrativa, diga-se de passagem – certamente não fora feita pelo prazer de leitura de um instrumento ou de outro, mas pela sua praticidade.

Quantas obras literárias e acadêmicas foram produzidas desde invenção da escrita até os dias de hoje? Naturalmente, nem precisamos ir tão longe: quantas obras foram produzidas no Brasil nos últimos 50 anos? E continuamos produzindo livros, todos os dias. Livros de filosofia, romances, livros técnicos e até mesmo livros sobre vampiros. Não vamos parar de escrever tão cedo. O jornal que você agora tem nas mãos é a prova do que digo.

Portanto, por mais prazeroso que seja ler em papel, não há biblioteca no mundo que possa abrigar em seu espaço físico o volume de papel que a humanidade tende a produzir em termos literários, acadêmicos, científicos ou o que quer que seja. Para o cotidiano das universidades, por exemplo, é muito mais viável imaginar uma biblioteca que cresce com livros eletrônicos, sem ocupar espaço, do que estantes cheias livros desatualizados e inutilizados.

Talvez nada substitua o livro. Quem sabe até o livro jamais tenha sido substituído à altura pelo pergaminho. Esta questão da substituição de um método pelo outro é apenas uma divagação passível de crítica. O espaço físico, no entanto, é definitivamente insubstituível. Afinal, já dizia Newton: dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Mesmo que sejam livros!



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 19 de janeiro de 2013.

sábado, 12 de janeiro de 2013

A privacidade mitigada pela vitrine da internet


Não é segredo para ninguém que, hoje em dia, a privacidade é uma matéria-prima em extinção. E o pior: nós é que somos os maiores predadores da nossa própria intimidade. Através das redes sociais, cedemos à internet informações sobre o que comemos, onde vamos, quem são nossos amigos e familiares, o que estamos fazendo e muito mais.  Mais grave ainda é que ilustramos tudo isso com uma quantidade abundante de fotos.

Para quem quer ser sequestrador ou golpista, o século XXI é um prato cheio. Qualquer pessoa que já saiba o bê-á-bá da informática consegue sem muito esforço obter dados essencialmente pessoais sobre relacionamentos e hábitos. Além do perigo real que significa ter perfis em redes sociais, há também o risco da utilização e venda indiscriminada de dados por parte de empresas que detêm estas informações.

Estar conectado infelizmente é um pré-requisito para a socialização. Não só por motivos fúteis, como manter a conversa em dia e compartilhar as fotos de um evento com os amigos, mas também para estabelecer contatos profissionais, atualizar-se academicamente e não se afastar de pessoas com quem já não se convive mais. Essa configuração moderna de como se estabelecem as relações interpessoais através da internet demanda muito cuidado: não abusar de redes sociais que divulguem informações pessoais desnecessárias, tentar usar o mínimo de fotos e dar menos informações sobre moradia e parentesco. Contudo, quando o pretexto das redes sociais é o divertimento e o compartilhamento de informações, isto fica cada vez mais difícil.

Há, por exemplo, uma rede social chamada Foursquare. Nela, o usuário aciona o GPS para identificar sua localização e divulga para a sua rede o local onde se encontra naquele exato momento. Em uma época na qual muitos já foram vítimas do golpe do sequestro pelo telefone, usar esse tipo de aplicativo é leviano.

Claro, quando a intimidade e a privacidade são devassadas dessa forma, o culpado é o usuário. Naturalmente, não se pode atribuir a ele uma culpa exclusiva, porque se supõe ingenuamente que as outras pessoas não agirão de má fé. Para exemplificar ainda mais o movimento de exposição da própria vida privada, podemos, além de falar do Twitter e do Facebook, mencionar o Blippy. Trata-se de uma rede social em que uma pessoa pode cadastrar seu cartão de crédito e, tão logo faça uma compra, divulga a informação da compra entre os amigos.

No Direito, existe um conceito chamado “direito indisponível”, quando nem o próprio indivíduo pode alienar, abrir mão ou dispor de qualquer maneira de um direito seu. Em linhas gerais, é o que acontece com o direito à vida, já que um indivíduo não pode cometer suicídio. O direito à privacidade deveria tornar-se “indisponível”. É óbvio que esta é apenas uma alegoria apropriada para um tempo em que a publicidade já ultrapassa até as fronteiras das informações financeiras. Mas cabe a reflexão: não dispomos demais da nossa vida privada? Será que um dia não vamos nos arrepender?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 12 de janeiro de 2013.

sábado, 5 de janeiro de 2013

O que esperar de 2013 no cenário nacional?


Não é necessário ser vidente para “adivinhar” os acontecimentos de um ano vindouro: um grave escândalo político, a morte de uma personalidade célebre, o bordão criativo de uma novela, um sucesso no cinema, o lançamento de um gadget inovador e por aí vai. Todos os indicadores apontam para que 2013 seja um ano normal, sem muitas surpresas, já que não teremos eleições e nem grandes eventos esportivos. Será mesmo?

O ano de 2013 será na verdade uma grande preparação para o futuro. Entramos agora no período que será o prelúdio de fortes mudanças políticas no Brasil e no exterior, ainda que isso esteja restrito aos conchavos políticos, que nem sempre chegam aos ouvidos da população.

Em Manaus, teremos o primeiro ano de gestão de Arthur Neto, após um longo tempo distante do Executivo Municipal. Vimos uma campanha pautada pela experiência e pelo profissionalismo do então candidato, e devemos atentar para um mandato norteado pelos mesmos princípios. Para tanto, o primeiro ano de mandato é fundamental, e nos dará uma ideia segura sobre se teremos ou não uma cidade organizada dentro dos próximos quatro anos.

O ano de 2013 também será significativo para a comunidade jurídica, dado o início da nova gestão da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Amazonas. A advocacia é atividade essencial na busca pela justiça, e somente uma OAB comprometida com o apoio ao advogado é capaz de desempenhar o seu papel nesta busca.

No cenário político nacional, o ano será permeado por tensões nos bastidores do poder. Com vistas à eleição presidencial de 2014, nomes como Aécio Neves e Eduardo Campos ganham forças e passam a figurar com mais frequência nas especulações sobre candidaturas, coligações e alianças. A presidenta Dilma deve investir em uma gestão que lhe garanta bons elementos de campanha à reeleição e, sobretudo, aliados fortes.

Será também o primeiro ano de gestão de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo, em sua estreia num cargo eletivo; para Lula, o bom desempenho de Haddad pode ser fundamental em uma eventual disputa pelo Governo de São Paulo, como já se especulou. Além disso, deveremos aguardar o desenrolar dos reiterados alvoroços iniciados ainda no ano passado, como o caso Rosemary Noronha e a posse de políticos condenados no julgamento da Ação Penal 470, do “mensalão”.

No panorama internacional, a grande dúvida do ano recairá sobre a vida de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que já passeia pela antecâmara da morte. A possível partida de Chávez porá a ditadura venezuelana e sua política externa em uma situação imprevisível. Na Europa, o despertar de um novo ano traz a esperança da superação da crise internacional, e a expectativa da chegada de tempos menos difíceis.

Todos nós esperamos que 2013 seja um normal, é claro. Contudo, será um ano de grandes expectativas, que ora serão frustradas, ora serão realizadas. Para todos os efeitos, fiquemos atentos: devemos ter o olhar sensível ao que se descortina com a alvorada de um novo ano.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 5 de janeiro de 2013.