Na obra 1984, George Orwell descreve uma distopia caracterizada pelo
totalitarismo de um partido que controla o passado, o presente e o futuro por
meio de uma intensa propaganda política e vigilância da população através de
câmeras e microfones. Uma das fortes marcas da narrativa de Orwell é o chefe
deste Estado totalitário: o Grande Irmão. Trata-se de um rosto que ninguém
jamais vira pessoalmente e que, mesmo assim, é tratado como um deus.
A atual crise política e institucional
da Venezuela lembra um pouco o romance 1984:
ninguém tem notícias concretas sobre Hugo Chávez, presidente da república, mas
ele se mantém no poder, na popularidade e na qualidade de um semi-deus daquele
país. As informações que são divulgadas são extremamente vagas, do tipo “Chávez
está assimilando o tratamento” ou “a recuperação pós-operatória pode demorar um
pouco”. A democracia já não é um dos fortes da Venezuela, e a ausência de seu
líder só reforça a curiosa semelhança com o Estado totalitário de George
Orwell.
É conveniente fazer um breve apanhado
do que é a crise política que se instaurou na Venezuela. Hugo Chávez sofre de
um severo câncer e está realizando o tratamento em Cuba, dos companheiros Raúl e Fidel Castro.
Paralelamente, fora reeleito presidente da república, e ainda conseguiu operar
uma manobra política para continuar no poder sem tomar posse, já que estava
impossibilitado pelo câncer. Para Chávez, a posse do presidente é uma “mera
formalidade”; para o Direito e para a Constituição venezuelana, a posse é um
requisito de legitimidade da presidência, e a ausência deste requisito deveria
ensejar novas eleições.
Infelizmente, em um Estado com
instituições democráticas enfraquecidas, fazer valer a Constituição não é tão
simples. Como diz Konrad Hesse, jurista alemão, para que uma constituição tenha
força normativa, é necessário que haja entre as pessoas uma vontade de constituição, e essa vontade
não parece estar presente entre os chavistas. Portanto, o governo venezuelano
não convocou novas eleições e decidiu considerar Hugo Chávez como empossado
(mesmo numa cama de hospital), numa evidente interpretação tendenciosa e descabida
da norma constitucional, que jamais deveria curvar-se aos desmandos de um
partido ou à saúde de um líder.
Um país não pode ficar sem
presidente por tempo indeterminado, ou seja, até Hugo Chávez se recuperar da
sua última cirurgia contra o câncer; tampouco pode o partido do governo
flexibilizar a Carta Magna de uma república “democrática” para atender às suas
conveniências. Como já foi dito, a democracia não é bem o forte da Venezuela. E
se Hugo Chávez não se recuperar? Não me surpreenderia se se inventasse um
mandato-por-correspondência, ou que depois até as eleições fossem consideradas
“mera formalidade”. Pior: e se ele falecer? Bom, aí então veremos se finalmente
o mundo conhecerá o Grande Irmão de George Orwell.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 26 de janeiro de 2013.