sábado, 3 de novembro de 2012

E os mendigos que não são "gatos"?


Você conhece a história do mendigo gato? Aconteceu há algumas semanas no Facebook, este grande laboratório da sociedade moderna. Em meados de outubro, pelas ruas de Curitiba, uma moça foi abordada por um morador de rua que pediu para que ela tirasse uma foto dele e a pusesse na “rádio”, para que ele pudesse ficar famoso. Na rádio ela disse que não poderia, naturalmente, mas que colocaria no seu Facebook. Pois colocou. E tornou-se viral: mais de 50 mil shares e até matérias em inúmeros jornais do país, inclusive no EM TEMPO.

Com a grande repercussão do caso, a história de vida do “mendigo gato de Curitiba” foi aparecendo: era um jovem de família, bom aluno e ex-modelo que, em virtude do vício em crack, fugiu de casa e passou a viver nas ruas. A família já não conseguia ajudá-lo mais e nem dispunha dos recursos para tanto. Foi quando a bondade humana revelou-se e uma clínica de reabilitação ofereceu tratamento para o rapaz, que foi internado e já está passando por todas as avaliações necessárias, segundo os noticiários.

Diante dessa história, várias pessoas bradaram a plenos pulmões que era lindo ver a sociedade se movimentando para ajudar o “mendigo gato”, uma demonstração de amor ao próximo e movimentação social para ajudar alguém com um problema. Realmente, é muito bom saber que foi feito um esforço para tirar uma pessoa das ruas e, sobretudo, da drogadição. Contudo, sejamos francos: se o mendigo fosse feio a moça provavelmente teria chamado a polícia ao invés de tirar a foto.

Não se trata de sermos cruéis ou frios. A verdade é que, às vezes, precisamos ser sinceros com nós mesmos, por mais que doa encarar as consequências desse tipo de raciocínio: havia um mendigo “gato” que, ao ser fotografado, alcançou a fama pela internet. Se fosse um mendigo feio (como a grande parte dos mendigos infelizmente é, embora o “politicamente correto” não nos permita dizer), o desfecho seria outro. Aliás, é por isso que vemos pouquíssimos moradores de rua protagonizando notícias como esta; pelo contrário, quase sempre aparecem como vítimas em notícias sobre violência.

Por que, entre tantos outros, o mendigo gato é especial? Sem hipocrisia aqui: ele é especial porque o ser humano cultua a beleza, e não a fealdade. Não estou dizendo que foi errado tratá-lo como foi tratado e levá-lo para uma clínica; por outro lado, também não estou dizendo que devemos abordar todos os mendigos ao nosso redor e levá-los para casa. Nem lá, nem cá. Digo apenas que, conquanto seja legal fazer bem para o outro, é importante fazê-lo em crítica constante, para que o ato seja consciente, e não mecânico.

O mendigo era “gato”. Com certeza você, leitor (ou leitora), alguma vez na vida, já deu um bom dia mais sorridente para uma vizinha mais bem apessoada, ou já deu uma gorjeta maior para uma atendente mais “simpática”. Não é nada anormal, a Filosofia Estética discute isso há muito tempo e é senso comum: temos uma queda pelo belo. Mas que tal, da próxima vez, ajudarmos um mendigo feio também? 



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 3 de novembro de 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário