Você conhece a história do mendigo
gato? Aconteceu há algumas semanas no Facebook, este grande laboratório da
sociedade moderna. Em meados de outubro, pelas ruas de Curitiba, uma moça foi
abordada por um morador de rua que pediu para que ela tirasse uma foto dele e a
pusesse na “rádio”, para que ele pudesse ficar famoso. Na rádio ela disse que
não poderia, naturalmente, mas que colocaria no seu Facebook. Pois colocou. E
tornou-se viral: mais de 50 mil shares e
até matérias em inúmeros jornais do país, inclusive no EM TEMPO.
Com a grande repercussão do caso, a
história de vida do “mendigo gato de Curitiba” foi aparecendo: era um jovem de
família, bom aluno e ex-modelo que, em virtude do vício em crack, fugiu de casa
e passou a viver nas ruas. A família já não conseguia ajudá-lo mais e nem
dispunha dos recursos para tanto. Foi quando a bondade humana revelou-se e uma
clínica de reabilitação ofereceu tratamento para o rapaz, que foi internado e
já está passando por todas as avaliações necessárias, segundo os noticiários.
Diante dessa história, várias
pessoas bradaram a plenos pulmões que era lindo ver a sociedade se movimentando
para ajudar o “mendigo gato”, uma demonstração de amor ao próximo e
movimentação social para ajudar alguém com um problema. Realmente, é muito bom
saber que foi feito um esforço para tirar uma pessoa das ruas e, sobretudo, da
drogadição. Contudo, sejamos francos: se o mendigo fosse feio a moça
provavelmente teria chamado a polícia ao invés de tirar a foto.
Não se trata de sermos cruéis ou
frios. A verdade é que, às vezes, precisamos ser sinceros com nós mesmos, por
mais que doa encarar as consequências desse tipo de raciocínio: havia um
mendigo “gato” que, ao ser fotografado, alcançou a fama pela internet. Se fosse
um mendigo feio (como a grande parte dos mendigos infelizmente é, embora o
“politicamente correto” não nos permita dizer), o desfecho seria outro. Aliás,
é por isso que vemos pouquíssimos moradores de rua protagonizando notícias como
esta; pelo contrário, quase sempre aparecem como vítimas em notícias sobre
violência.
Por que, entre tantos outros, o
mendigo gato é especial? Sem hipocrisia aqui: ele é especial porque o ser
humano cultua a beleza, e não a fealdade. Não estou dizendo que foi errado
tratá-lo como foi tratado e levá-lo para uma clínica; por outro lado, também
não estou dizendo que devemos abordar todos os mendigos ao nosso redor e
levá-los para casa. Nem lá, nem cá. Digo apenas que, conquanto seja legal fazer
bem para o outro, é importante fazê-lo em crítica constante, para que o ato
seja consciente, e não mecânico.
O mendigo era “gato”. Com certeza
você, leitor (ou leitora), alguma vez na vida, já deu um bom dia mais
sorridente para uma vizinha mais bem apessoada, ou já deu uma gorjeta maior
para uma atendente mais “simpática”. Não é nada anormal, a Filosofia Estética
discute isso há muito tempo e é senso comum: temos uma queda pelo belo. Mas que
tal, da próxima vez, ajudarmos um mendigo feio também?
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 3 de novembro de 2012.
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