sábado, 27 de julho de 2013

Devagar, quase parando

“Quando um corredor campeão começa a ficar aquém de suas melhores velocidades, leva um tempo para determinar se ele está apenas em uma fase ruim ou se perdeu definitivamente o fio da meada”. Com esta frase, a revista “The Economist” iniciou uma matéria em que comenta que as grandes economias emergentes do século XXI – Brasil, Rússia, Índia e China – estão perdendo força, e que este é só o começo. Para a revista, as economias emergentes são como os grandes corredores campeões, e vivemos num momento em que não se sabe, ao certo, se estes países irão se recuperar de uma péssima fase ou se definitivamente estão prestes a decair.

A matéria é ilustrada por uma charge bem simbólica. Numa pista de atletismo, quatro corredores estão atolados. O corredor chinês, bem adiante, ainda consegue se mover com certa lentidão; o corredor russo está com a lama até o joelho; o corredor indiano, com a lama até a cintura; e o corredor brasileiro, com semblante desolado, está com a lama batendo no peito, já fora do páreo. Mas a publicação da “The Economist” não foi a única nos comentários internacionais desta semana sobre o Brasil. O jornal americano “Chigaco Sun-Times”, da cidade de Chicago, que concorreu com o Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016, ironizou os protestos brasileiros e perguntou: “perdemos para isso?”

Tenho certeza, por exemplo, de que a Copa da Confederação foi ótima para os amantes de futebol, assim como a Jornada Mundial da Juventude, que agora sediamos com Papa e tudo, está sendo esplêndida para os que têm fé em Deus. E isso é o que importa. No entanto, devemos reconhecer que o Brasil tem “reprovado” quando passa por testes de segurança, organização e mobilidade em grandes eventos. Nesse sentido, dá até para entender a incredulidade dos jornalistas americanos. Perderam para isso?

As críticas internacionais são duras, mas devem servir de reflexão, ao invés de motivarem reações do tipo “só quem pode falar mal do Brasil são os brasileiros”. Não é possível dizer que as impressões da “The Economist” e do “Chicago Sun-Times” sejam a mais pura verdade, não.  Porém, é necessário reconhecer que o país anda um bocado desgovernado, com indefinição política, crise de legitimidade democrática, insegurança econômica e instabilidade social. Está na cara. Nesta mesma semana, durante a visita do Papa, o Presidente do STF, Joaquim Barbosa, cumprimentou Francisco I e passou direto por Dilma, sem lhe dirigir a palavra, deixando-a “no vácuo”. É normal que, em um país minimamente civilizado, o chefe do Judiciário seja tão deselegante com a chefa do Executivo? Não, não é.


Numa conversa sobre democracia, um grande amigo certa vez me disse o seguinte: o regime de democrático é como um relacionamento amoroso, e por vezes nos acomodamos com o passar dos anos, mesmo com situações desconfortáveis, até o ponto em que é preciso empreender mudanças. Já que, segundo a imprensa, estamos “atolados na lama”, será que não chegou a hora de enfim fazermos estas mudanças?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 27 de julho de 2013.

Desliga você, Obama

Há não muitas semanas, o ex-técnico da CIA Edward Snowden desviou informação confidencial e divulgou para o mundo inteiro que os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido faziam espionagem em dados privados de milhares de pessoas comuns. Desde então, o debate sobre segurança nacional versus privacidade dos indivíduos voltou à tona, sobretudo nestes países, e tem ganhado destaque nos jornais e revistas do mundo todo.

Os usuários de internet, como sempre, não deixaram barato. “Espionagem em dados privados” significa que os governos americano e britânico estavam bisbilhotando o acesso de seus cidadãos a e-mails, Facebook, SMS, ligações telefônicas e mais. Em tom de humor, logo surgiram charges e caricaturas ironizando o assunto. Em uma das mais populares, um casal tenta terminar uma ligação de telefone, com a velha conversinha de “desliga você” e “ah, não, desliga você primeiro”; de súbito, Barack Obama aparece na conversa e diz “desliguem logo vocês dois”.

Apesar do gracejo, a tal charge ilustra bem o problema que, mais uma vez, entra em discussão. Até que ponto é válido se intrometer na privacidade das pessoas, mesmo que por uma “boa causa”? Teoricamente, a espionagem de dados privados de pessoas comuns, nos Estados Unidos, era protegida pela “boa causa” da guerra ao terrorismo, em que era preciso esmiuçar determinadas relações, através de telefonemas e e-mails, a fim de encontrar um possível homem-bomba e neutralizá-lo a tempo, por exemplo. Mas quais são os limites? É válido, ao buscar um ideal tão esparso (a “guerra ao terror”), devassar a vida de pessoas comuns e inocentes, pelo menos até que se prove o contrário?

Particularmente, tenho minhas dúvidas sobre se esta espionagem governamental de dados privados é verdadeiramente assustadora ou não. Se pensarmos com cuidado, mesmo despidos de todas as possíveis teorias da conspiração, talvez seja razoável supor que isto acontece há muito tempo e com quase todos os governos do mundo. Onde se exilou nossa privacidade? Depois da internet e dos avanços tecnológicos, ainda mais em vigilância governamental, ter vida privada é cada vez mais raro.

Divide-se a vida em três esferas: vida pública, vida privada (aquela entre amigos e família) e vida íntima (nossos segredos e círculo social mais restrito). Nos últimos anos, a vida pública já havia ficado cada vez mais pública, e a própria vida privada, para além da milenar fofoca, já vinha sofrendo as dores do avanço da internet. E a vida íntima? Se pensávamos que ela restava incólume, agora nos deparamos com o próprio Barack Obama, ainda que nas charges, nos mandando desligar o telefone.


A privacidade humana, violada pela tecnologia, perdeu a sua virgindade e jamais voltará a ser como antes. Resta-nos a adaptação a este novo jeito de viver, com pouca intimidade e privacidade, protegendo-nos sempre da vigilância alheia. Afinal, talvez seja até sábio aceitar o conselho do Obama das charges e finalmente desligar o celular.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 20 de julho de 2013.

Atrapalhado e desesperado

O governo está desesperado, e isso não se pode mais negar. Depois das manifestações que tomaram o país, quando “o gigante acordou”, governantes e congressistas começaram a trabalhar para tentar consertar o estrago que havia sido feito e que muito provavelmente vai resultar em uma revolução nas urnas. Dilma subiu ao palanque algumas vezes e desatou a falar sobre reforma política, investimentos em saúde, médicos estrangeiros etc.; no Congresso, derrubaram a famigerada PEC 37, transformaram a corrupção em crime hediondo, acabaram com o voto secreto nas cassações de parlamentares e por aí vai.

Mas, como diria Milton Friedman, “não existe almoço grátis”. A produção legislativa realizada até aqui, desde quando as manifestações sociais começaram a surtir efeito, foi só para inglês ver. O PT está no governo há 10 anos, bem como a maioria dos parlamentares no Congresso, e só agora todos resolveram trabalhar? Agora, em meio à crise e aos protestos? E as medidas que serão tomadas resolverão nossos problemas? Estranho, no mínimo.

Os temas agora enfrentados pelo governo, como a reforma política, sempre enfrentaram muita resistência. Tenta-se fazer reforma política no Brasil há anos, e jamais se conseguiu, porque reformar o sistema político significa mudar as regras de um jogo que funciona muito bem para todos. Logo, é evidente que esta “vontade repentina” de mudar o país, surgida daqueles de quem nunca esperávamos mudança, é apenas para fazer a população acreditar que uma resposta está sendo dada aos protestos.

Tema igualmente espinhoso é o da transformação dos crimes de corrupção em crimes hediondos. O que mudou, afinal? Houve verdadeiro combate à corrupção? Temo que não. O problema da corrupção não é a rigidez das penas, mas a impunidade daqueles que são denunciados por crimes de corrupção e, após longos anos, não são condenados. A estes, pouco importa se o crime é ou não hediondo, já que dificilmente serão condenados. A medida é meramente populista, e em 2014 veremos muitos candidatos se utilizando disto como mote eleitoreiro. Verdadeiros anjos de candura, para o eleitor desavisado.

Outra consequência desta história toda é que os problemas recentemente enfrentados são de alta complexidade, e estão sendo trabalhados de maneira atabalhoada, sem debate, sem estudo, sem consulta aos especialistas. Dia sim, dia não, Dilma Roussef anuncia medidas que são tomadas, aparentemente, muito mais como justificativas de sua incompetência do que como reais soluções para os problemas que o país enfrenta.


A questão dos médicos, por exemplo, é emblemática. Particularmente, aumentar o número de médicos no SUS e não investir na estrutura do sistema de saúde não parece muito sábio, principalmente quando isto é feito sem planejamento e estudo. Mas esta se tornou a postura padrão do governo: tomar medidas sem planejamento, sem responsabilidade, apenas para tentar mostrar algum trabalho e disfarçar a culpa no caos em que o país está mergulhado.


Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 13 de julho de 2013.

50 anos em cinco dias

Nas últimas semanas, a conjuntura política do Brasil tem mudado da água para o vinho. De repente – e não mais que de repente – a letargia política sob a qual se encontrava o povo se dissipou e as pessoas foram às ruas reclamar o que lhes é de direito. O resultado veio rápido: parlamentares, assustados com a grandeza das manifestações, começaram a trabalhar e tentar “mostrar serviço” ao povo que lhes elegeu, e até a Presidente da República encerrou o seu silêncio sepulcral e foi dar a cara à tapa diante das câmeras, propondo “pactos” pelo país.

No Congresso Nacional, senadores e deputados parecem estar trabalhando como nunca antes haviam trabalhado. A Câmara rejeitou a temida PEC 37, e agora muitos outros projetos de lei foram “ressuscitados” para acalmar os ânimos da população. A lista é longa: o projeto de lei que transforma o crime de corrupção em crime hediondo, o projeto que prevê transporte gratuito para estudantes, o fim do voto secreto nas deliberações sobre perda de mandato de parlamentares etc.

E a Presidente da República, por outro lado, também tem estado ocupada. Logo na segunda-feira dessa semana, Dilma reuniu prefeitos de capitais e governadores e, ao vivo, propôs ao país a adoção de cinco pactos nacionais, por responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte e educação. A “cereja do bolo”, no discurso, foi o espetáculo de barbeiragens técnicas que a Presidente deu, falando sobre “corrupção dolosa” (uma baita redundância) e “constituinte específica” (algo que, na teoria, não existe), e se mostrando tecnicamente despreparada ou, no mínimo, mal assessorada.

Por que estas mudanças não foram feitas ou propostas antes? A Presidência da República está sob o poder do Partido dos Trabalhadores (PT) há 10 anos e somente agora, repentinamente, em meio à crise econômica e social, é que foi possível iniciar os “pactos nacionais”? Há dois anos Dilma Roussef foi eleita, com um forte discurso de investimento na educação, e nem mesmo depois de enfrentar uma greve geral das universidades federais houve tanta boa vontade quanto está havendo agora.

No Legislativo, os parlamentares voltam a usar o discurso do populismo penal para sair da mira do povo. O Senado já aprovou o projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo, e isto dá a falsa ideia de que agora a corrupção será combatida. Aumentar a pena para o crime de corrupção não adianta nada quando o verdadeiro problema está na impunidade.

A impressão que fica é a de que os Poderes Executivo e Legislativo resolveram dar uma de Juscelino Kubitschek, mas ao invés de avançar o Brasil 50 anos em 5 anos, pretendem nos tirar 50 anos de atraso em apenas 5 dias, ou pouco mais que isso. Pior: os mesmos políticos responsáveis pelo apagão de investimentos em infraestrutura, saúde, educação, segurança pública e mobilidade urbana nos últimos anos querem nos convencer, em poucos dias, de que são eles próprios que irão arregaçar as mangas de seus paletós e resolver o problema. Será mesmo?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 29 de junho de 2013. 

O "porrudo" acordou

Em meio às manifestações que tomaram conta de todo o país nas últimas semanas, várias frases caíram na boca do povo. “Verás que um filho teu não foge à luta” e “o Gigante acordou!”, em referência ao Hino Nacional, foram as principais. Ao falar da manifestação em Manaus, que aconteceu na última quinta-feira, permito-me regionalizar o bordão e dizer: o porrudo acordou. O porrudo povo amazonense, que ficou durante anos “deitado eternamente em rede esplêndida”, à beira do Rio Negro, finalmente acordou e saiu da inércia.

Munidos de cartazes, constam nas redes sociais que só em Manaus mais de 85 mil manifestantes saíram às ruas e fizeram um protesto belo, ordeiro e afinado com a polícia, sem maiores problemas, apesar de uma meia-dúzia de babacas que se separou do protesto e instaurou o caos na frente da Prefeitura, não merecendo maiores comentários. A manifestação não era coisa de “jovem revolucionário”: foram idosos, crianças, adultos, gente divertida, gente séria, enfim, brasileiros indignados de toda a sorte. Os motivos da indignação foram os mais variados, e não mais se limitaram aos preços das passagens do transporte público, mas se irradiaram pelo combate à corrupção, os investimentos em saúde, educação, segurança e muito mais. O manauara saiu de casa e foi pedir, educadamente, o retorno pelos seus impostos.

No protesto, quase todos tiraram nota 10. O povo se manifestou tranquilamente, a polícia foi exemplar, o poder público liberou seus servidores com antecedência, para que pudessem participar do ato, e até mesmo o trânsito, que costuma ser desastroso, não ficou tão ruim. Mas sempre tem alguém que insiste em tirar 0 e reprovar na matéria “democracia”: as grandes redes de televisão do Amazonas, durante quase toda a manifestação, pouco ou nada transmitiram, enquanto a cidade e seu povo davam um verdadeiro show de civilidade, principalmente se comparados ao resto do país.

Durante o dia inteiro, a Rede Globo mostrou imagens de protestos espalhados pelo Brasil, menos de Manaus. Com tanta gente nas ruas, Manaus teve um dos maiores atos públicos do país, aproximando-se do Rio de Janeiro, com 300 mil pessoas, e de São Paulo e Recife, ambas com 100 mil pessoas. Tentando zapear pelos canais da TV aberta, no entanto, era difícil sequer saber que existia gente protestando. O AmazonSat, inclusive, mostrava um interessantíssimo programa de decoração de ambientes enquanto o povo se esgoelava nas ruas por seus direitos, em um admirável momento histórico da cidade e do país.


Com a lamentável inexpressividade da imprensa televisiva regional, que só se preocupou em divulgar a pequena “banda podre” do protesto, perdemos a oportunidade de mostrar para o Brasil a Manaus que tanto reclamamos que o resto do país nunca vê. Felizmente, nem isso pôde ofuscar a grandeza do ato público e a esperança que floresceu em todos nós. Esperança única, do Oiapoque ao Chuí: de que o grito das ruas se transforme na indignação das urnas, e que uma mudança finalmente se inicie.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 22 de junho de 2013.

Algo estranho no país do futebol

O mundo tem acompanhado, atentamente, as manifestações que têm ocorrido nas capitais brasileiras na última semana, em função do aumento do preço das passagens de ônibus e outras coisas que têm incomodado a população. São Paulo, de longe, é a cidade que mais tem chamado atenção: milhares de manifestantes, policiais, imprensa, tropa de choque, bombas de efeito moral, balas de borracha, destruição e todos os outros ingredientes da melhor receita para o perfeito caos.

O disse-me-disse sobre estes protestos é desnorteante: há quem diga que a polícia foi truculenta; há quem diga que a violência partiu dos manifestantes; a grande mídia sai como vendida e parcial; as notícias da internet também não vêm lá com muita parcialidade, e por aí vai. Em meio a tudo isso, há até relatos de quem disse que foi ao protesto para acabar com as próprias dúvidas e ver realmente o que estava acontecendo, e que por isso poderia dar um retrato real dos acontecimentos da manifestação. Mas dá para acreditar?

Aliás, em quem acreditar? São tantas verdades escorregadias surgindo a todo o momento que firmar um posicionamento sobre o assunto fica difícil. E é aí que surgem as imagens, em foto ou vídeo, de cenas que ocorreram durante as manifestações. No primeiro vídeo que vi, vê-se claramente um policial militar dando cacetadas no vidro da própria viatura e, finalmente, quebrando-o. Em outro vídeo, repórteres, segurando suas câmeras, identificam-se como jornalistas e, de repente, a tropa de choque da PM começa a atirar contra eles balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. No terceiro vídeo, algumas dezenas de manifestantes gritam, desarmados, a frase “sem violência!”, e ficam perambulando pela rua sem fazer nada que parecesse perigoso. Minutos depois, surge mais uma vez a famigerada tropa de choque da PM e começa a atirar bombas de efeito moral e balas de borracha, sem motivo aparente.

Há, ainda, entre inúmeros vídeos disponíveis na internet, um último que me chamou atenção. Numa rua menor da cidade de São Paulo, sete policiais perseguem um jovem, supostamente jornalista, e mesmo depois de tê-lo rendido, continuam a acertá-lo com pauladas de cassetete nas costas. Durante a mesma manifestação, o jornal Folha de S. Paulo divulgou que sete de seus repórteres foram atingidos por ações da polícia enquanto cobriam as manifestações; dois deles, com tiros de bala de borracha nos olhos. Num protesto deste tamanho, embora não seja fácil saber quem é bonzinho e quem é vândalo, certamente é possível distinguir quem são os jornalistas em serviço.


No final das contas, quem tem razão? De longe, é impossível dizer, e não é nem um pouco sábio formular juízo de valor sem conhecimento de causa. O que se sabe, sobretudo pelas imagens, é que há algo estranho no país do futebol. Há algo estranho com as ações da polícia, com as manifestações, com as declarações dos governadores, com o aumento das passagens de ônibus, com a inflação, com a Copa, com tudo. E vai sobrar para quem?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 15 de junho de 2013.