sábado, 27 de outubro de 2012

Devemos aprender com a civilidade americana


Eleições municipais em Manaus; eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. Com a “festa da democracia” ocorrendo lá e cá simultaneamente, é impossível evitar comparações entre o que acontece aqui, entre Arthur Neto e Vanessa Grazziotin, e lá, entre Mitt Romney e Barack Obama. Mesmo em realidades distintas e distantes, há sim semelhanças entre os dois pleitos: são cargos no poder executivo, entre apenas duas pessoas e ambos têm dado o que falar na mídia.

Os EUA podem não ser o melhor exemplo de civilidade, é mesmo. Os casos são inúmeros: que nação “civilizada” aceita passivamente a pena de morte quando, no continente em que se insere, todos os países já respeitam (formalmente) os direitos humanos? Que nação civilizada é essa que possui uma política armamentista tão nociva? E a política internacional beligerante? E a prisão de Guantánamo? Realmente, muitos fatos depõem contra a civilidade norte-americana.

No entanto, mesmo que os americanos pequem no quesito civilidade por um lado, dão-nos uma aula noutro lado: eleições. Os recentes debates entre Romney e Obama são a prova indiscutível disso, quando um candidato chega a um debate, cumprimenta seu adversário e, mesmo empunhando um microfone em igual volume e tendo a faculdade de interromper o discurso adversário, consegue manter um nível alto de diálogo com o outro e com o público. E essa lição nós ainda não aprendemos.

Verdade seja dita: a atual eleição está permeada de baixarias, e é inegável que estejamos bastante aquém de um debate ideal, em que se encontrem ideias conflitantes, porém respeitosas. O que vemos diariamente são estratagemas de marqueteiros em jogadas que só nutrem a concorrência desleal, ao invés do confronto direto de ideologias, o confronto que deve estar a serviço do cidadão-eleitor.

Quando digo que devemos beber da civilidade norte-americana, quero dizer que devemos nos inspirar no debate objetivo: sem muletas, sem acusações cansativas e infundadas, mas com ideias boas e respeito por quem as traz.

A máxima de Voltaire deve ser introjetada em nossos candidatos: posso não concordar com o que dizes, mas lutarei pelo direito de dizeres. Funciona, no Brasil, da maneira diametralmente oposta: posso até concordar com o que dizes, mas lutarei para que estejas errado ao dizer! Vivenciamos um pleito em que, sobretudo, disputam pessoas, quando deveriam estar em confronto direto os projetos, as diretrizes e a gestão do futuro de uma cidade.

Infelizmente, nossas eleições municipais estão tão deturpadas que é muito mais fácil encontrar nas propagandas eleitorais um motivo para não votar em determinado candidato do que uma proposta de governo. Os valores certamente se inverteram.

Seja como for, Romney e Obama têm seus problemas lá na terra de Mickey Mouse, e Arthur e Vanessa têm seus problemas aqui na terra do tucumã; e isso, de modo algum, interessa ao eleitor: o que a cidade quer é uma conversa civilizada sobre a cidade em si. Será que teremos um dia? Bom voto a todos!



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 27 de outubro de 2012.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Sistema de cotas não seria mais um paliativo eterno?



Depois de anos de discussão, debates acalorados e até um breve passeio pelo Supremo Tribunal Federal, as cotas firmaram-se com os dois pés na educação brasileira. Com a Lei 12.711/12, sancionada há algumas semanas pela presidente Dilma Rousseff, as universidades federais devem dispor de 50% de suas vagas para o sistema de cotas sociais, dentre as quais há a cota racial também.

Muito já se disse sobre as cotas, em uma abordagem maniqueísta de prós e contras. Os pró-cotas sustentam a reparação de um erro histórico da escravidão e desigualdade social; os contra-cotas bradam aos quatro ventos que a cota é uma medida populista e assistencialista, um típico jeitinho brasileiro de maquiar um problema sério com uma solução precária. A cota é apenas uma política pública de inclusão social: não é simplesmente “boa” ou “ruim”, mas útil e utilizável.

A crítica mais sensata que se faz ao sistema de cotas é a de que ele não resolve questão da educação deficiente; e não resolve mesmo, porque não foi feito para resolver: a cota é somente uma medida paliativa para o problema. Se o objetivo é por negros, índios e pessoas de baixa-renda na universidade, a medida correta é investir em peso no ensino básico de qualidade.

Todavia, qualquer investimento em educação demora a frutificar. Valorização dos professores com aumento de salários e melhoria das condições de trabalho, segurança e infraestrutura nas escolas, programas de inclusão digital, fornecimento regular de livros e material didático, entre outras coisas: ainda que tudo isso seja feito da noite para o dia, os resultados só virão dentro de alguns anos, e as cotas servem para remediar o problema durante esse tempo.

Por isso, o sistema de cotas que se instituiu com a sanção da Lei 12.711/12 é um grande erro. Não se pode instituir tamanha fração de cotas levianamente, sem ao mesmo tempo prever planos e investimentos para o futuro da educação de base.

A mesma lei que institui as cotas deveria prever o aumento salarial dos professores de ensino fundamental e médio, a compra de livros e construção de bibliotecas, projetos de incentivo à leitura, a criação de programas esportivos e culturais e, acima de tudo, salas de aula com lousa e cadeira – objetos fundamentais tão negligenciados.

O sistema de cotas é só um remédio. A doença – a nossa educação débil – deve ser tratada em seu cerne, e não somente em seus sintomas. Uma medida imediata e emergencial é indissociável de uma solução definitiva a longo prazo, e por enquanto só temos a medida tapa-buraco.

A lei a que me referi, em seu antepenúltimo artigo, estabelece um prazo de 10 anos para que o programa seja revisado. Da maneira que está, sem qualquer previsão ainda que longínqua de investimentos eficientes em educação, depois de 10 anos veremos apenas mais um programa que precisará ser prorrogado por tempo indeterminado.

Não basta fazer a política pública certa; é preciso fazer na hora certa e do jeito certo. A hora é essa, mas vai ser mesmo desse jeito irresponsável?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 29 de setembro de 2012.

Votos e devotos na contabilidade da eleição


Dada a largada na corrida pela prefeitura no pleito de 2012, não tardaram a surgir notícias em todos os veículos de comunicação sobre candidatos buscando apoio de grupos religiosos. De repente, em todos os cantos, prefeituráveis exibiam uma devoção inabalável, coincidindo curiosamente com a busca por votos.

Não duvido da fé de ninguém, mas acho estranho: como é comum adesivar carros, distribuir panfletos e fazer comícios, virou comum ir à igreja mais próxima e firmar aliança com um segmento religioso, buscando ser recomendado ou indicado por um líder litúrgico como o candidato certo para aquele cargo.

Mas foi Deus quem escolheu? Seria a versão democrática da teocracia? Certas igrejas em Manaus possuem mais de 100 mil adeptos, e ser o “eleito de Deus” em uma eleição municipal com tamanho apoio é uma vantagem política assustadora. Infelizmente, esses episódios pouco parecem ter relação com a fé e a devoção, e mais com a ambição de sentar na cadeira de chefe do Executivo municipal.

A separação entre religião e administração pública não vem daquele já cansado Princípio da Laicidade do Estado, que ainda vigora, mas do simples fato de que cada um possui seu negócio e não quer interferência de ninguém nele.

O Estado já não diz quem ele quer que ocupe cargos nas igrejas; e as igrejas já não ditam com quem o Estado deve firmar alianças políticas ou econômicas. As intervenções das igrejas em questões como o aborto e a união homoafetiva são apenas questões públicas e pleitos sociais a que têm direito todos os setores da sociedade, e não representam disputa eleitoral pelo poder.

O que fica parecendo é que essa separação enfraqueceu. O que prometem às igrejas os candidatos que delas buscam apoio político? Cargos, influência? Essa prática não é nova; muito pelo contrário, ela é praxe em todos os anos de eleição, entre candidatos e empresas, em troca de doações e apoio. A novidade que choca é que, dessa vez, é Deus quem cumpre o papel de empresa.

A posição dos candidatos é até compreensível, porque se supõe que façam e devam fazer tudo de lícito e possível por votos numa eleição. O que mais assusta, no entanto, é a posição dos inúmeros chefes de igrejas, “núcleos”, “células” e outras coletividades religiosas, que declaram apoio, entregam e prometem votos em nome de Deus e dos seus devotos. E a individualidade? Pior: e Deus, que nem teve a chance de se pronunciar? Para um líder religioso, que possui influência sobre famílias, pessoas e comunidades e sabe disso, talvez fosse mais discreto e interessante manter a neutralidade política.

No fim das contas, eleição é tempo de ouvir sugestões sim, do vizinho ou da família. Mas mais do que isso: é tempo de ouvi-las criticamente, lembrando que a escolha pelo melhor candidato não é de Deus ou de quem o representa, mas do cidadão e da sociedade.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 19 de setembro de 2012.

O estupro da informação


A internet mudou a dinâmica de muitas coisas em pouco mais de 20 anos: o modo como namoramos, procuramos empregos, nos expressamos; mudou também a dinâmica de como se movimenta informação. O dicionário, que antes era o “pai dos burros”, perdeu a posição para o Google; a televisão teve que encarar o YouTube; o boca-a-boca agora é pelo Twitter e por aí vai.

Em meio a isso tudo, surge o Facebook (com seu botão compartilhar), para alterar ainda mais o jeito pelo qual milhares de pessoas manifestam uma indignação em comum, uma paixão, um hábito, uma frase. Além disso, a rede social mais popular do momento tornou-se a “espada” de revolucionários virtuais contra a corrupção, a falta de investimentos em saúde e educação, a pobreza e as injustiças da sociedade: lutar contra tudo isso está a um clique de distância.

Mas será que basta compartilhar uma imagem ou um texto no Facebook para cumprir o papel de cidadão ativo? Será que disseminar pensamentos revoltosos contra a corrupção já é combatê-la? Apesar da duvidosa eficácia do trabalho dos militantes virtuais, duas coisas boas surgem dessa história: as pessoas agora possuem mais informação e também tecem mais opiniões sobre as coisas que acontecem ao seu redor.

É importante ter uma opinião, ainda que tímida, delirante ou até mesmo comprovadamente errada. Quanto à informação, é uma questão de quantidade ou qualidade? De fato, cresceu o acesso à informação graças a essas novas mídias e redes sociais, mas muitas vezes é a informação errada, a desinformação.

Estamos diante de um grande perigo, qual seja o de as pessoas estarem se revoltando e se insurgindo sem nem saber por que ou pelo que, ou com base em enganos, falácias ou mentiras.

A partir daí, como a metástase de um câncer, começam a se espalhar correntes com informações absurdas ou dados falsos. Quem se lembra da “polêmica” com as palmeiras do condomínio Ephigênio Salles? Compartilhamento inocente de alguém que simplesmente não sabia que ali ocorria uma ação ecológica autorizada pela Prefeitura. Os exemplos são inúmeros: comparações teratológicas, estatísticas sem referências, informações falsas sobre a Lei da Ficha Limpa, o auxílio-reclusão, bolsa-família, salários de funcionários públicos, votos nulos e eleições, citações atribuídas a autores que jamais falaram nada daquilo e muito mais, espalhando-se pela rede como verdades incontestáveis.

O que ocorre é o verdadeiro estupro da informação e de tudo o que ela significa. Na era do “Pai Google”, a notícia que vem é suficiente, e quase ninguém se dá ao trabalho de verificar fontes e fatos, ocupando-se apenas de passar mentiras adiante como se isso esgotasse as possibilidades de agir, como se fosse expressão máxima da guerra contra tudo que existe de ruim e errado na vida.

Nós precisamos entender que o mundo não precisa de Che Guevaras virtuais, mas de mais pessoas razoáveis, críticas, curiosas e bem-informadas dentro e fora do Facebook.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 14 de setembro de 2012.

Greve, Europa e mobilidade acadêmica internacional.


Desde o começo de 2012 se fala em greve geral dos professores nas universidades federais; o boato tornou-se realidade com a deflagração de um movimento grevista aderido por mais de 50 universidades.

A greve do servidor público é, em princípio, um meio legítimo de reivindicar direitos; e quanto a sua eficácia? O professor merece salário, respeito e condições de trabalho condizentes com a função social do magistério, além de outras demandas justas feitas pela classe, mas por quantas greves teremos que passar até lá?

Não entremos, contudo, no mérito da greve em si, que divide opiniões – e que bom que divide, pois da unanimidade devemos sempre desconfiar. O movimento, independente do rumo que tome, deve nos levar a uma reflexão sobre a nossa situação atual.

Pude vir, pela UFAM, para um semestre na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal. Além do proveito acadêmico, a experiência se fez valiosa pelo contato com um bloco em crise e sua visão acerca de onde venho. Brasil? Queremos ir para lá! Ouvi isso de toda a gente. E por que querem ir? Não é pelas praias, mas porque no Brasil há empregos.

Vi casos interessantes: em Barcelona, uma barista prestes a terminar o mestrado em Psicologia, sem perspectiva de sair do bar e exercer a profissão; em Praga, formandos com planos de ir ao Brasil trabalhar; em Munique, uma garçonete terminando o curso de Letras, sem saber o que fazer depois.

O professor universitário brasileiro é um gênero específico: tem que falar português (fluentemente, de preferência), entender as nuances sociais do país e passar ao aluno um ponto de vista crítico. São muitas exigências, e é por isso que o ensino superior no Brasil ainda não recebeu tantos estrangeiros quanto outras profissões.

Enquanto aqui há gente qualificada sem ter onde exercer seu diploma, no Brasil há vagas de professores vazias e professores sem motivação para buscar qualificação profissional. Quem quer ser professor sem ser reconhecido?

É preciso ter cuidado com essas comparações. Na maioria das universidades públicas da Europa, o ensino é pago. Cerca de mil euros por ano, por aluno: o dinheiro é aplicado no desenvolvimento da universidade e a própria atividade acadêmica gera renda e autossuficiência.

Então devemos refletir: é correto, por exemplo, uma Faculdade de Direito como a Jaqueira não possuir nem um curso de mestrado? Uma universidade como a UFAM ter salas em condições tão ruins? Bibliotecas desatualizadas? Falta de energia?

Ao comparar, pode-se ter a ilusão de que a Europa é o sonho de todo acadêmico. Bom, não é. Existem problemas lá e cá, mas o problema “professor mal pago” já foi deixado para trás na maioria dos países do ocidente europeu.

O que a Europa já aprendeu e o Brasil insiste em não imitar é que investimento em educação faz parte do crescimento econômico. Se pretendemos trilhar o caminho de uma potência mundial, trilharemos mancos enquanto não investirmos em ensino de qualidade.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 25 de junho de 2012.

Que exame é esse?

Desde o anúncio da substituição do vestibular convencional pelo Exame Nacional do Ensino Médio como avaliação para o ingresso em universidades federais, a comunidade acadêmica tem feito diversas especulações sobre o conteúdo da prova e sobre como seria a nova abordagem das questões contextualizadas.

Como é de conhecimento geral, às vésperas de sua realização, o exame foi furtado, e, a partir daí, desencadeou-se um processo de efeitos colaterais desastrosos. O primeiro aspecto grotesco deste episódio começa pelo furto da prova: o que pretendiam os criminosos ao tentar vender a prova para um jornal? Sabe-se lá. O fato é que foi causado um prejuízo de 35 milhões de reais aos cofres públicos – conta que nós, pobres contribuintes, pagaremos.

Os danos originados do vazamento do Enem vão além do foro financeiro: e os vestibulares por todo o país que tiveram de remarcar suas provas? E as escolas que adiantaram todo o seu conteúdo programático para finalizá-lo antes do exame? Soma-se a isso um sentimento de vergonha, porque a culpa de tudo isso é da administração pública, que fiscalizou com tanto descaso a impressão de um documento desta relevância.

Contudo, o vazamento da prova trouxe um ponto positivo: todos nós podemos saber quais são os moldes em que o novo exame deverá vir e que “questões substanciais” ele deverá abranger, dentro do conceito tão falado das questões contextualizadas.

Infelizmente, o ponto positivo acaba aí, pois seguido à leitura da prova, vem um enorme sentimento de desespero. Então o ingresso em universidades de renome será embasado em questões assim? Toda a expectativa ao redor do novo vestibular ruiu, pois é inacreditável que o MEC queira trocar provas confiáveis por este instrumento de qualidade tão diminuída.

A nova prova deve ser reconsiderada. Não seria necessário, para obter uma boa pontuação, ter concluído o ensino médio. Para ter ido bem no Enem, seria necessário apenas ser alfabetizado e ter o mínimo de bom senso – e isso, como critério de admissão no ensino superior, é inadmissível.

Pode-se falar o mesmo da proposta de redação, que é vaga e mal fundamentada, visto que os textos de apoio são pobres de informação e de motivação ao candidato que pleitear uma vaga no “sistema unificado de ensino”. Além do mais, a prova parece testar a resistência física do candidato, pois é cansativa e possui muitos textos demasiadamente longos, tornando-se anti-funcional.

Avaliar-se-á a competência de um aluno para ascender à universidade de maneira tão rasa? A aplicação de um teste nacional que não atesta absolutamente nada sobre conhecimentos gerais será a sentença final de que o ensino no Brasil está fadado ao fracasso, e isso não se pode permitir.

A prova realmente traz temas que devem ser abordados. No entanto, são abordados de maneira absolutamente fraca. Desmatamento, tabagismo, educação, idade avançada, cultura brasileira... A despeito dos temas, a amplitude do exame não deveria permitir a elaboração de questões beirando o ridículo. Se forem questões sobre as quais se pode discursar independente do grau de instrução, aonde foi a meritocracia que rege o ingresso numa instituição federal?

Não posso criticar construtivamente as questões de ciências exatas, por não ser minha seara, mas posso dizer que não eram as mais difíceis. Quanto às questões de ciências humanas, comentários acerca de sua carência de conteúdo são dispensáveis. Convido todos a fazerem o download da prova no site do Inep e a se deliciarem com a nova educação brasileira. 



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 18 de outubro de 2009