sábado, 29 de dezembro de 2012

Por um 2013 com menos pressa e mais compreensão


Neste caos organizado, globalizado e hiperconectado em que nós vivemos hoje em dia, a maioria das pessoas pensa que conhece o mundo só porque consegue abrir o Google Maps em um celular à palma da mão e bisbilhotar um apanhado de cidades e países em poucos minutos. Não é bem assim: talvez a graça do universo seja poder sentir-se pequeno diante dele, e essa se tornou uma sensação raríssima. Por uma ironia curiosa da História e da vida, não se percebe mais sequer que existe um universo. Existe, para o nosso mundo cheio de correria e afazeres, a necessidade de estudar e trabalhar sem olhar para os lados, esquecendo-se de viver e erguer a cabeça.

Por um segundo, deixe de lado o burburinho das conversas ao redor, as notícias sobre a crise na Europa, o fim do mundo, o estresse, a televisão: o mundo é sensível e precisa ser sentido com calma, então pare um pouco. Os países não são somente um nome, uma situação econômica e um IDH; são pessoas, costumes, ar que se respira, prato que se come, cerveja que se bebe... Então por que não viajar? E fazer tudo sem pressa, sem correria.

Reflita: ano após ano a expectativa de vida do homem-médio cresce; surgem novos tratamentos para o câncer, novas obras de arte e música, novos amigos, novos voos da sua cidade para um lugar diferente – às vezes até uma boa promoção de Manaus até Nova Iorque! Para que graduar-se aos 21 anos? Aos 22, 23... Que diferença mesmo é que faz? Um direito tão fundamental quanto o direito à vida, à privacidade e à honra deveria ser o direito de um homem por os pés na Muralha da China, no Everest, no Deserto do Saara – ou em qualquer lugar que lhe apetecer. Ora, não é fundamental conhecer o mundo em que se vive?

Somente duas horas de avião separam o Porto, em Portugal, de Marraquexe, no Marrocos; e menos de dez horas de voo separam Ankara, na Turquia, de Pequim, na China. Muitas vezes nós conseguimos passar mais tempo do que isso trabalhando ou dormindo, então não são voos tão longos assim se pararmos para pensar.

De que tamanho é o mundo? Se calhar não é tão grande quanto se acredita e pode até valer a pena conhecê-lo com os próprios olhos. Por exemplo, você acha que conhece o mundo islâmico só porque o vê pela televisão? E o Rio de Janeiro oferece muito mais do que lindas mulheres em biquínis ousados durante o carnaval. Você não tem curiosidade em saber mais sobre a catedral de ossos da República Tcheca? Ou a cidade fantasma de Fordlândia, no Pará? Veja o mundo por si, sinta-o pelos próprios olhos, sem agonia, em qualquer lugar.

Não precisa ter pressa, o tempo corre hoje exatamente como corria na época de nossos pais, minuto por minuto; não precisa ter medo. Aliás, é uma ótima resolução para o ano de 2013: conhecer um pouco melhor o mundo – pode ser na Índia ou naquele restaurante do bairro que você ainda não teve disposição para visitar. O mundo é uma mulher misteriosa, então ouse: dê-lhe um beijo no rosto e quem sabe ela não lhe mostra alguns outros segredos?



Artigo publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 29 de dezembro de 2012.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Mais do que roupa, um pouco de poesia


Talvez seja seguro dizer que, quando as pessoas doam roupas em caridade, grande parte das doações seja motivada mais pela falta de espaço no armário do que pela caridade em si. E isso de modo algum é errado: é pura e simplesmente unir o útil ao agradável, é querer livrar-se de um excesso de roupas e repassá-las a pessoas que estejam em necessidade. Aliás, mesmo que a solidariedade não seja o principal propulsor destas doações, é bom que as pessoas se desprendam de bens materiais e que isso ajude outrem no fim das contas.

Podemos supor que seja fácil, em geral, abrir mão daquelas roupas que já não vestem tão bem e que estão largadas no fundo de uma gaveta. Outras doações seguem o mesmo “estilo” de fácil desprendimento: artigos de higiene e limpeza, lençóis, um microondas velho que perdeu lugar para um novo, um quilinho ou dois de alimentos não perecíveis e outras coisas aqui e acolá.

O desafio acontece quando as doações passam a ser de objetos a que nos apegamos. A propósito, não é somente difícil doar coisas que nos são queridas, mas, sobretudo, jogar fora coisas inúteis e que nos trazem lembranças agradáveis: tampinhas de cerveja de uma viagem saudosa, uma prova com nota dez da época de escola, uma caneta preferida cuja tinta se esgotou, enfim.

Há pessoas, como eu, que têm ciúmes imensos de seus livros. Adoro indicar leituras e até empresto livros às vezes, mas sob a condição de tê-los de volta tão logo o cessionário termine de ler. Certa vez até briguei com minha namorada por isso: emprestei-lhe um livro que, depois de oito meses, ela não lera; por isso, tomei-o de volta e causei uma celeuma gravíssima no relacionamento. Até hoje não podemos falar sobre Umberto Eco sem que haja constrangimento.

Outro caso de forte apego é o de meu pai: ele possui um piano, herança de meu avô, que passa longos dias sem que dele se tire uma única nota. Já se cogitou doar o piano a algum jovem estudante sem condições de arcar com a compra de instrumento tão caro, ou de cedê-lo a algum conservatório local. Deve ser dificílimo, para meu pai, pensar em se desfazer de um piano que carrega tantas histórias e lembranças.

Por ocasião do incêndio no bairro São Jorge, resolvi fazer uma doação e me deparei com um impasse diante do armário: doaria duas camisetas com frases de Fernando Pessoa e Machado de Assis? Resolvi colocá-las logo na sacola e me livrar da dúvida antes que eu desistisse de passar adiante aquelas roupas de que gostava tanto, mesmo quase não as usando mais. Depois, pensei que aquelas duas simples camisetas fossem as melhores peças de todas as doações da cidade, porque não só aqueceriam o corpo como também a mente, com cultura e poesia. Fiquei feliz.

Doar um piano, um bom livro ou uma roupa com belas frases pode não salvar definitivamente a vida de quem está em crise, recebendo doações. Contudo, é certamente um bálsamo para a alma de quem doa: saber que aquele objeto, que não nos realiza mais plenamente, dará um pouco mais de brilho à vida de quem o receber.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 22 de dezembro de 2012.

domingo, 16 de dezembro de 2012

O Brasil tem sido feliz no humor nos últimos anos


Não é preciso ser crítico especializado para falar sobre diversas coisas: uma estreia no cinema, o álbum novo de um músico ou até, com um pouco de esforço, a instalação de um artista plástico. Na verdade, muitas vezes a opinião do público se coaduna com o parecer da crítica especializada, como vemos todos os anos nas premiações do Oscar e do Grammy ou no Nobel de literatura.

No entanto, na grande maioria das vezes, as coisas são boas ou ruins, ponto. Por exemplo, por mais elaborado que seja o prato de um grande chef francês, o seu sabor não deve ser inacessível ao mais ignorante dos homens; caso contrário, o prato é simplesmente ruim. Da mesma forma, um grande chef francês não deve deixar de reconhecer o sabor maravilhoso de um doce caseiro. Na gastronomia, não há muitas voltas a dar: as coisas são saborosas ou não, ainda que tenham sabores complexos.

O humor também é mais ou menos assim. Digo “mais ou menos” porque algumas pessoas têm o riso frouxo e riem de tudo, e outras são mais sisudas e não riem de nada; também porque algumas pessoas gostam de humor negro, ao passo que outras pessoas não o suportam; finalmente, é preciso ressalvar que algumas piadas, sobretudo as profundamente irônicas, exigem um grau de instrução que nem todas as pessoas possuem. No mais, é possível reduzir as críticas de humor a algo simples: ou é engraçado ou não é.

O Brasil tem sido feliz no humor nos últimos anos. O cinema melhorou muito. A televisão, conquanto não tenha passado por nenhuma inovação, manteve-se bem, e houve também o aparecimento e expansão de uma modalidade muito interessante de fazer piada, o “stand up comedy”, normalmente traduzido como “comédia em pé”. Trata-se de uma pessoa fazendo comédia sem maquiagem ou fantasia, em pé e diante de uma plateia, apenas comentando com sarcasmo e chiste as situações curiosas do cotidiano.

O problema é que as apresentações de stand up comedy se limitam a sessões em teatros, e a comédia feita na televisão e no cinema passa por restrições bastante compreensíveis em função dos horários e do público. Então como fazer humor com qualidade e liberdade? A internet deu a resposta.

Um grupo de comediantes, atores, publicitários e artistas, muitos dos quais já com passagem pela televisão, fundou um canal de vídeos no YouTube e passou a publicar semanalmente esquetes de humor sem as amarras da televisão, sem as limitações de público dos teatros: chama-se “Porta dos Fundos”.

Com pouco mais de um mês no ar, os vídeos do “Porta dos Fundos” já possuem quase de 40 milhões de exibições, mais de 250 mil pessoas inscritas, e o programa já foi notícia em inúmeros sites e revistas das áreas de entretenimento e negócios. Na última semana, merecidamente, o canal recebeu o prêmio APCA de melhor programa de humor da TV. Sem estar na TV. Mais uma vez, agora no humor, a internet gerou uma revolução de criatividade e inovação. Quais serão os próximos passos?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 15 de dezembro de 2012.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Uma cidade engraçada, que não tem teto nem nada


A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro divulgou, na última semana, o IFDM – Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, que lista as melhores capitais para se viver no Brasil, levando em conta estatísticas divulgadas pelo governo em emprego, renda, educação e saúde. Manaus ficou em último lugar.

Alguém não esperava por isso? Não podemos esperar boa colocação em uma lista de cidades com qualidade de vida se não temos sequer o básico para uma cidade minimamente organizada. Manaus até lembra “A Casa”, de Vinícius de Moraes: era uma casa muito engraçada / não tinha teto / não tinha nada.

Não precisamos buscar os dados oficiais em emprego, renda, educação e saúde para notar que a cidade está aquém do desejado: mal temos calçadas, árvores, ruas e saneamento básico, como querer coisas mais elaboradas? Ademais, carecemos seriamente de boa prestação de serviço em grande parte dos estabelecimentos, sofremos com uma péssima organização urbana e temos um trânsito que nos faz perder tempo e, consequentemente, muito dinheiro.

No trânsito e mobilidade urbana, aliás, temos a sempre promessa de BRT e monotrilho: um expresso que “dessa vez, vai” e um trem-fantasma à la Mad Maria, como dizem as más línguas. Enquanto não ficam prontos, segundo o governador, o Estado pode decretar feriados nos dias de grandes eventos e as pessoas se locomoverão sem maiores problemas. A questão, infelizmente, é que decretar feriados para sempre não aumentará a qualidade de vida do manauense.

Nos aspectos analisados pela FIRJAN, os problemas transbordam. A carência de mão-de-obra qualificada no setor da construção civil, por exemplo, é tamanha, que faltam pedreiros e mestres-de-obras. Na educação, os avanços divulgados são fruto da maquiagem feita pelo ensino público que concede aprovações ano após ano sem qualquer critério qualitativo. O interesse em dar tablets aos alunos da rede pública é grande; o interesse em dar educação de qualidade, nem tanto.

Diante de tudo isso, alguém ainda se espanta com a posição que obtivemos neste ranking? O que é de espantar é que Manaus está entre as 10 cidades mais ricas do país, com o PIB muito próximo de cidades como Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre, que estão entre as 10 melhores cidades para se viver, segundo o ranking FIRJAN. É claro que estamos inseridos em contextos distintos destas outras capitais. Mas o quão grande é essa diferença que justifique uma disparidade galáctica na qualidade de vida?

Muito dinheiro foi mal administrado para que chegássemos a este nível. A postura da população, portanto, deve ser de cobrança. É muito triste ler que Manaus esteja tão rebaixada, sobretudo para quem é apaixonado pelo rio, pelas pessoas, pela culinária – para quem nasceu e cresceu aqui.

É importante, contudo, manter a indignação e saber cobrar do governo e das pessoas uma postura diferente e que traga resultados positivos – afinal, se nós já fomos a Paris dos Trópicos, temos plena capacidade de voltar ao topo.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 8 de dezembro de 2012.

sábado, 1 de dezembro de 2012

O que fazer para não sustentarmos bandidos


Certa vez, num passeio de férias, o guia turístico passou por um prédio público e disse: este aqui é o melhor lugar da cidade, onde podemos obter três refeições por dia, hospedagem e lavanderia de graça; é nosso presídio. Lembrei-me do episódio depois de ler as declarações do governador do Estado sobre as rebeliões em presídios do interior e da capital, dizendo que não poderíamos sustentar mordomias de bandidos e que, em nosso sistema prisional, as vítimas sustentavam os criminosos.

As mordomias a que se refere o governador, ouso deduzir, são as reinvindicações dos encarcerados: atendimento médico, assistência social e água potável. O Brasil está distante da realidade deste lugar onde fui passar férias, em que o presídio é lembrado com gracejo por significar o sustento gratuito de detentos; o próprio Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em uma sincera gafe, disse que preferia morrer a ter que cumprir pena em um presídio brasileiro. Não penso que detentos precisem de mordomias; contudo, o Estado deve dar tratamento humano a qualquer cidadão que precise – criminoso ou não.

E as vítimas sustentam os prisioneiros? Sustentam; e têm mesmo que sustentar, porque isso faz parte da vivência em sociedade: os sãos sustentam o tratamento dos doentes, os que podem pagar um médico particular pagam impostos para a saúde pública; quem não tem filhos sustenta a creche e a escola de quem tem, e, por fim, a vítima sustenta o encarceramento do prisioneiro. É bem simples: vivemos em tal dinamismo que, facilmente, o saudável de hoje adoeça amanhã; que o jovem envelheça antes de morrer; que a vítima cometa um crime, que as mulheres engravidem e os homens virem pais etc.

Dizer que é injusto a vítima sustentar o criminoso através do tributo é uma falha de raciocínio. Ora, se a vítima resolve, por algum motivo, jamais estudar, ela deve ficar isenta de pagar impostos destinados à educação? Claro que não; há uma falha de raciocínio aí. Ademais, tratar um preso com dignidade é tão sinal de desenvolvimento quanto educar as crianças e cuidar dos idosos. E mais: que bom que a vítima “sustenta” o prisioneiro, posto que o objetivo principal da prisão seja a ressocialização, e não a mera punição, ainda que a realidade não alcance este ideal.

É difícil, para o cidadão de bem, aceitar que um bandido deva ser tratado com humanidade; é penoso imaginar que um homicida deva receber um tratamento digno que sequer pensou em dedicar às suas vítimas. No entanto, é preciso fazer um esforço e pensar na coletividade em perspectiva ampla.

Sob a escusa de não mais “sustentar” criminosos, o Estado deveria libertar todos e aí ninguém mais sustentaria ninguém, certo? Não é bem por aí. O caminho certo é a educação, em primeiro lugar, e as condições de ressocialização, subsidiariamente.

Aliás, para um governante humanista, o investimento em boas condições de encarceramento passa a valer quando há pelo menos um detento reabilitado e reajustado à sociedade, ainda que o restante tenha falhado.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 1o de dezembro de 2012.