Durante a elaboração de uma peça
jurídica, como um parecer, sentença ou petição, costuma-se colar” no corpo do
texto algumas decisões judiciais que favoreçam o argumento que está sendo
sustentado, a fim de “engrossar o caldo” da retórica utilizada. É o que
chamamos de “colocar jurisprudência”, com o objetivo de demonstrar que a tese
defendida está de acordo com o posicionamento atual dos tribunais do país.
Na hora de buscar estas decisões – no
Google, por exemplo –, não raro encontramos casos judicias que não têm nada a
ver com aquilo que estamos procurando, mas que são dignos de nota e lembrança.
Numa destas pesquisas, quando procurava algo sobre dano moral, encontrei um
curiosíssimo julgado do Superior Tribunal de Justiça, cujo resumo estava
disponibilizado mais ou menos assim: “Pênalti não marcado. Compensação por
danos morais decorrentes de erro de arbitragem. Incabível. Não se pode cogitar
em danos morais ao torcedor pelo resultado indesejado da partida. O dano moral
não se confunde o mero dissabor pelo resultado do jogo, situação inerente à
paixão futebolística. Recurso não provido”. Trata-se do Recurso Especial n.
1296944/RJ.
O que isso significa, afinal? Em breves
palavras: na Copa do Brasil de 2007, durante um jogo entre Atlético Mineiro e
Botafogo, o árbitro da partida errou ao não marcar um pênalti a favor do
Atlético-MG, e, após o apito final, o Botafogo (pasmem!) acabou se
classificando para a fase subsequente. No dia seguinte, em entrevista, o
próprio árbitro admitiu o erro, e disse que a situação era clara: a penalidade
máxima deveria ter sido marcada.
Inconformado, um torcedor do Atlético
ingressou na Justiça contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em
razão de supostamente ter sofrido danos morais com a desclassificação de seu
time, o que teria acontecido por causa do erro de arbitragem. O pedido foi
negado em todas as instâncias, por motivos de sobra no âmbito do Direito... E
do futebol, em que estas “injustiças” são corriqueiras e fazem parte do mundo
da bola.
A demanda nos revela várias coisas.
Primeiro, é que estamos realmente no país do futebol, em que a mais importante
Corte se dispõe a julgar, sobretudo com certo zelo, uma causa tão boba.
Segundo, e mais importante, é que ainda subsiste entre muitas pessoas a cultura
da “indústria” do dano moral, em que se pretende enriquecer alegando, em juízo,
algum prejuízo moral exorbitante causado por empresas ou pelo Estado.
Felizmente, os juízes têm rechaçado
estes pedidos inusitados ou exagerados, que geram injustiça (como
enriquecimento sem causa, quando um sujeito recebe indenização muito além do
razoável) e também atrapalham a Justiça, abarrotando os fóruns de processos e
contribuindo para a lentidão de que tanto reclamamos. Aparentemente este
problema não está com os dias contados, e deve persistir por mais alguns bons
anos: pelo menos não é algo tão grave assim e, no final das contas, até que
rende umas boas risadas e boas discussões. E então: pênalti gera prejuízo
moral?
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 19 de outubro de 2013.