sábado, 30 de março de 2013

O que este episódio nos ensina?


Desde que o deputado federal Marco Feliciano assumiu o cargo de Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados, sua vida não tem sido fácil: mídia para lá e para cá, protestos amargos, reuniões interrompidas por ativistas ou sendo feitas a portas fechadas e muito mais. E tudo isso por um simples motivo: a CDH deveria ser uma reunião de parlamentares para promover direitos das minorias étnicas e sociais, e agora é presidida por Feliciano, que é manifestamente contra a união homossexual e tem um histórico de declarações senão preconceituosas e racistas, pelo menos um tanto estranhas.

As manifestações contra a presença de Feliciano como presidente da CDH são bem variadas, como protestos dentro da própria Comissão, com cartazes e gritaria; e até mesmo a atriz Fernanda Montenegro, de 83 anos, dando um beijo na boca de outra atriz, Camila Amado, de 77 anos, em oposição às declarações de Feliciano. Toda esta movimentação gerou certo constrangimento na Câmara, e até articulações políticas para que ele deixasse o cargo. Feliciano foi irredutível: não sairá, porque foi democraticamente eleito para a Câmara dos Deputados e democraticamente eleito para a presidência da CDH.

A primeira coisa que devemos aprender com esta história toda é que a democracia sempre funciona, tanto para as boas escolhas, quanto para as escolhas ruins, e nada se pode fazer. A segunda coisa se refere a um comentário que circulou pela internet ultimamente, de que Marco Feliciano fora eleito democraticamente e não adiantava gritar, pois não se faria democracia no grito. Isto está errado: democracia não se faz com violência, com agressões, com ofensas; mas com grito se faz sim: o grito consciente e informado, que não se pode calar ante a censura. E a terceira coisa que se deve perceber é que uma simples troca de presidência numa Comissão da Câmara dos Deputados incomodou muita gente, e isto só mostra que a política não está tão distante das pessoas; que ainda há gente que presta atenção e reclama quando se deve reclamar.

O que faz um parlamento ter algum sentido é a diversidade de opiniões e ideias, e como cada uma delas contribui para o desenvolvimento em geral do país. Para isso, no entanto, deve haver respeito e coerência. Se Marco Feliciano é um político de extrema direita e não é lá muito favorável à defesa de determinadas minorias, que deixe o trabalho para outro; da mesma forma como os deputados Romário e Popó estão na Comissão de Desporto, e não na Comissão de Desenvolvimento Econômico: por pura coerência!

 Independente de sua saída ou não, Marco Feliciano deixa três boas lições, que foram relatadas acima: que nem sempre a democracia agrada a quem a defende; que é preciso protestar sim, inclusive com gritos, mas jamais com violência; e que a consciência política nasce de episódios assim, e, se a presença deste homem não é tão saudável para os Direitos Humanos, pelo menos aguça o olhar crítico e a vontade de participar do futuro político do país.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 30 de março de 2013.

sábado, 23 de março de 2013

Enem: cada vez pior


O Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, desde que se tornou a principal porta de entrada para as universidades brasileiras, sempre chamou muita atenção. Todavia, apesar de ser uma releitura (mal feita, frise-se) de um modelo de vestibular internacionalmente reconhecido e utilizado em diversos países, a repercussão gerada pelo ENEM nem sempre – ou quase nunca – foi positiva.

Em 2013, o ENEM bateu mais um recorde no quesito “palhaçada”: divulgou os espelhos de correção das redações dos estudantes e, para a surpresa de todos, havia redações com sérios erros de língua portuguesa, como “trousse”, “enchergar” e “rasoável”, que alcançaram a nota máxima; e textos com enxertos de receitas culinárias e hinos de times de futebol, que tiveram pontuação baixa, mas relativamente satisfatória.

É óbvio que ninguém leu estas redações. Qualquer pessoa com bom senso não atribuiria nota máxima a um texto com estes erros gramaticais, por mais bem estruturado que ele estivesse; da mesma forma, mereceria nota zero um texto com enxertos “graciosos”, tanto pela manifesta intenção do autor de testar a correção (que, afinal, descobriu-se inexistente), quanto pelo absurdo em que o texto se transforma.

O INEP, instituto que organiza o ENEM, ao responder as críticas, disse que estes textos – um com uma receita de macarrão instantâneo e outro com o hino do Palmeiras – preenchiam algumas competências de avaliação, obtendo determinada nota, ainda que perdessem pontos pelos parágrafos sem sentido que incluíram. Quanto aos graves erros gramaticais em “redações nota dez”, os organizadores do Exame disseram que estes “desvios” gramaticais devem ser relevados, tendo-se em conta que o candidato do ENEM é, por definição, “um egresso do ensino médio, ainda em processo de letramento na transição para o nível superior”.

Esta declaração só pode ser uma piada de mau gosto. Se um indivíduo terminou o ensino médio e ainda não sabe ler e escrever bem, ele precisa refazer o ensino médio, porque ainda não está pronto para entrar no ensino superior. Pelo raciocínio do Ministério da Educação, um estudante que não tem condições de escrever um texto de 30 linhas pode tranquilamente iniciar o curso de Letras em uma universidade federal. Qual será o próximo passo? Permitir que um estudante que não consegue realizar operações simples de soma e subtração inicie o curso de Engenharia, porque está em “processo de aprendizado” nesta área?

A política adotada pelo Ministério da Educação põe em risco todo o sistema educacional brasileiro que, embora não fosse perfeito, respeitava a meritocracia e a qualidade do ensino. Agora, subverte-se a noção de educação para popularizá-la, não oferecendo educação de qualidade para todos, mas distribuindo vagas nas universidades irresponsavelmente, para satisfazer propósitos eleitorais e maquiar estatísticas. Redações não corrigidas, erros graves ignorados, deformação do entendimento de “língua culta”... Esta é a política educacional do Brasil. Desse jeito, aonde vamos parar?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 23 de março de 2013.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Entre a mídia e a Justiça


Há algum tempo que o Supremo Tribunal Federal transmite as sessões dos julgamentos pela TV Justiça, ao vivo, para todo o país. Por este canal, o povo brasileiro já teve a oportunidade de acompanhar a declaração de constitucionalidade da união estável de casais homoafetivos, a permissão de aborto dos fetos anencefálicos, a legalidade da “Marcha da Maconha”, o julgamento do mensalão e muitas outras questões polêmicas que passaram pela Corte Constitucional.

Nos últimos dias, a Justiça brasileira nos presenteou – ou presenteou a imprensa, pelo menos – com a primeira transmissão ao vivo de um julgamento do tribunal do júri, no “caso Mizael”, do ex-policial militar acusado de matar a ex-namorada, Mércia Nakashima, não só pela televisão, como também via internet. Ao autorizar a transmissão, o juiz-presidente do Tribunal do Júri teria dito aos jornalistas: "a única coisa que eu não quero nesse julgamento é o sensacionalismo. Espero que a confiança que depositei nos senhores seja recíproca”.

A iniciativa é salutar, ousada e pretende aproximar o Poder Judiciário da sociedade civil, “público-alvo” da atividade jurisdicional enquanto serviço público. Desta forma, o cidadão tem mais acesso às coisas da lei, se assim desejar. Entretanto, muito embora a medida seja admirável, não deixa de ter consequências negativas, principalmente quanto às atuações dos juristas sob os olhos das câmeras.

O problema está justamente na “hollywoodização” da Justiça, quando juízes, promotores e advogados acham mais importante o destaque diante da mídia nacional, garantindo mais prestígio e clientes (no caso dos advogados), do que a defesa das teses jurídicas que propõem. Neste “caso Mizael”, infelizmente já fomos “brindados” com a lamentável afirmação do promotor de Justiça para o advogado de defesa: “o diabo é o pai da mentira. O senhor é amigo do diabo!”. Ora, tudo bem que os ânimos se exaltam no tribunal do júri, mas isso não pode dar azo ao pavonismo televisionado.

O próprio Supremo Tribunal Federal – a mais alta Corte do país – muitas vezes sofre dos sintomas desta síndrome, sobretudo na prolixidade dos votos. É verdade que um voto deva ser bem fundamentado, mas certos ministros, mesmo com o julgamento já decidido pela quantidade de votos, fazem questão de ler suas decisões, com longas citações em alemão ou italiano, e passam a impressão de fazê-lo por pura vaidade.

De todo modo, a ampliação da publicidade dada aos julgamentos, pela transmissão via televisão e internet, representa um grande progresso, porque dá à sociedade uma via de acesso mais técnico às questões de direito, livre de olhares míopes; caso o Poder Judiciário não faça este movimento de aproximação, deixará a sociedade à mercê da mídia, que nem sempre é imparcial, honesta e de boa índole. E quanto às repercussões negativas? Bom, não há nada a fazer: apenas esperar que passe o “frisson” dos 15 minutos de fama que acomete uns e outros e, se tudo der certo, em breve voltaremos à “programação normal”.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 16 de março de 2013.

domingo, 10 de março de 2013

Por que não te calas?


A frase acima foi dita pelo rei Juan Carlos ao presidente venezuelano recém-falecido, Hugo Chávez, quando da XVII Conferência Ibero-americana, devido às inconvenientes interrupções que Chávez fazia ao então primeiro-ministro da Espanha, José Luís Zapatero. Mas este texto não é sobre o “saudoso” Hugo Chávez, tampouco sobre a Espanha: é sobre a grande virtude que é saber manter-se calado. Virtude que poucos têm.

Na semana passada, os jornais deram duas lamentáveis notícias. A primeira delas foi a de que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, havia dado uma entrevista a jornalistas estrangeiros e dito que os juízes brasileiros tinham mentalidade “mais conservadora, pró status quo, pró impunidade”, e que os membros do Ministério Público eram “rebeldes, com pouquíssimas exceções”. Vejam bem: este foi o Chefe do Poder Judiciário fazendo, para jornais internacionais, uma declaração extremamente preconceituosa, generalista e retrógrada sobre os juízes brasileiros.

Os magistrados – com razão – ficaram revoltados. Qualquer pessoa que tenha o mínimo de vivência forense (imagine o Presidente do STF!) sabe que as afirmações que Barbosa fez não são verdadeiras. O juiz brasileiro tem mentalidade “mais conservadora”? Pois foi o juiz brasileiro que garantiu, antes mesmo do próprio STF, a união estável homoafetiva, o aborto do feto anencefálico, o direito à greve de funcionários públicos, e muitas outras decisões judiciais históricas. Onde estava Joaquim Barbosa quando isso aconteceu?

A segunda notícia foi a de que Joaquim Barbosa teria dito a um jornalista, aos berros: “vá chafurdar no lixo como você sempre faz!”. Chafurdar significa “revolver-se em lama ou imundícies”. Depois, ao ir embora, ainda chamou o repórter de “palhaço”. Isso é postura de Ministro do Supremo? Joaquim Barbosa já é reconhecido por ser grosseiro com advogados, e agora despeja sua soberba em comunicadores sociais. Pouquíssimas coisas justificariam tal atitude diante da imprensa, e se ele não queria ser alvo da mídia, jamais deveria ter concordado em ser Ministro do STF.

A popularidade que Barbosa alcançou com a sua atuação rigorosa no julgamento do mensalão parece ter-lhe subido à cabeça, gerando um estrelismo exacerbado que não cabe a nenhum juiz. As entidades de classe da magistratura disseram, em nota, que o “isolacionismo” de Barbosa dificulta até o diálogo. Mas é claro! Afinal, por que ele se daria ao trabalho de ouvir os outros juízes do país, se ele é o único detentor da verdade?

Joaquim Barbosa deveria mostrar melhor preparo psicológico para chefiar o Poder Judiciário. Suas declarações e sua postura deixam clara uma “mentalidade” que já foi superada no século passado. Certa vez o Min. Marco Aurélio Mello disse que ser Presidente do Supremo Tribunal Federal exigia sensibilidade e delicadeza, “como um algodão entre cristais”. Joaquim Barbosa, pelo menos com as palavras, não tem se mostrado nem sensível, nem delicado. Portanto, cabe a pergunta: por que ele não se cala?



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 9 de março de 2013.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Novo jeito de fazer política?


Marina Silva é uma figura de destaque do cenário político nacional: já foi Ministra do Meio Ambiente, Senadora da República e candidata à Presidência com inesperados 20 milhões de votos. Marina é até mesmo reconhecida internacionalmente por sua atuação política, tendo sido convidada para participar da abertura dos Jogos Olímpicos em Londres, como “referência na luta e proteção ao Meio Ambiente”. Em suma, uma personalidade política proeminente, coerente e inovadora.

Nas últimas semanas, complementando o interessante rol de eventos que citei acima, Marina protagonizou mais um episódio importante para o cenário político brasileiro: a criação da Rede Sustentabilidade, seu novo partido. Segundo os jornais, trata-se de um partido que pretende revolucionar o jeito de se fazer política, não só por não ter “partido” no nome, mas principalmente por adotar algumas medidas institucionais que promoverão o combate à corrupção. E qual é a grande novidade? Afinal, todo partido, velho ou novo, diz-se contra a corrupção.

A diferença sutil está entre dizer-se contra a corrupção, como dizem todos os partidos do mundo, e realmente fazer algo para combatê-la; está entre prometer um processo eleitoral transparente, como prometem os partidos todos os anos, e efetivamente utilizar mecanismos para tanto. A “Rede”, como o partido é carinhosamente chamado por seus apoiadores, já divulgou duas medidas anticorrupção que estarão em seu estatuto: primeiro, uma cláusula de doação a exemplo do modelo americano de Obama, em que as doações de pessoas físicas e jurídicas não podem exceder um determinado limite, podendo também ser feitas via internet; e, também, uma cláusula de impedimento de filiação de partidários ficha-suja.

A postura é louvável. Bem diferente da postura do PT, por exemplo, que organizou um evento a fim de que fossem arrecadadas doações para o pagamento da pena de multa de alguns condenados no processo do mensalão: quase um convite à sujeira, um atestado de que não importa quão suja seja a ficha, se houver gente disposta a pagá-la (e apagá-la) com o próprio dinheiro. A moralidade, já cansada de ser ignorada, deveria ser uma preocupação dos próprios partidos, e a “Rede” mostra que isso pode acontecer, e que não necessariamente a política deve esperar um eleitorado mais consciente ou uma legislação mais severa; mas, talvez, candidatos mais sérios.

Transparência eleitoral e aversão a figuras políticas defasadas (e penalmente condenadas) é o mínimo que se espera de um partido sério, e o surgimento da Rede Sustentabilidade – que ainda vai provar se é ou não um partido sério – acusa mais ainda essa necessidade, dando pelo menos o exemplo. Não se sabe qual rumo seguirá esta recém-nascida agremiação política, e aqui não se faz apologia a sua linha ideológica ou algo assim, mas a sua atitude: demonstrar que a mudança urgente pela qual todos esperam pode, quem sabe, vir um partido.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 2 de março de 2013.