A necessidade e a vontade de punir
perpassam diariamente nossas vidas. Punimos a criança que não se comporta bem,
punimos o cão que come o sapato das visitas, bradamos por punições ou punições
mais graves àqueles que cometem crimes, sejam os roubos de galinha ou os roubos
de dinheiro público. Mas por que punimos?
À luz do Direito Penal e da Teoria
da Pena, que evoluíram durante séculos em busca de uma resposta satisfatória,
podemos dizer – a grossíssimo modo e
ao arrepio de qualquer maior aprofundamento teórico e técnico – que punimos
para ensinar e para repreender. Para repreender o eventual ilícito pela sua
reprovabilidade social e para ensinar ao “agente da ilicitude” que sua conduta
foi equivocada, além de demonstrar para a sociedade, em geral, que o Direito
possui uma resposta aos atos ilícitos.
Repreender, ensinar, reafirmar a
força do Direito, ressocializar o apenado, no entanto, são concepções próprias
de um Estado Democrático regido por uma Constituição, como é o nosso caso (embora,
na prática, nem sempre pareça). Se chegamos a esse “panorama das punições” após
milhares de anos de existência civilizada, é porque nossas razões para punir,
nas remotas origens da sociedade, eram diversas dessas que temos hoje. Aliás,
arrisco dizer que essas razões que apontei são as razões que o Estado (com todo
o seu arcabouço jurídico) tem para poder punir e exercer a sua prerrogativa de
aplicar punições; mas não necessariamente são as mesmas razões que nós, humanos
e falhos, encontramos.
Na longínqua Babilônia (e lá vamos
nós às nossas distantes origens) vigia a lei de talião, consubstanciada na
máxima “olho por olho, dente por dente”, pela qual cada punição deveria ser
aplicada “talmente” o crime, em “retaliação”. Evidentemente que, a partir daí,
o mundo avançou por demais e, pelo menos no Direito ocidental contemporâneo,
não se admite mais a aplicação desse princípio (excetue-se aí a pena de morte
nos Estados Unidos). No entanto, fazer a digressão é interessante para ver qual
tipo de sentimento conduzia nossa vontade de punir antes da afirmação
contundente do Estado: a retaliação e a vingança, valores extremamente
distintos de “repreender, ensinar, ressocializar e reafirmar a força do
Direito”.
Devemos ter cuidado, portanto, ao
domar o nosso próprio ser e nosso ímpeto de punir quem quer que seja (ou o que
quer que seja). Porque quando falamos do Estado e dos crimes praticados pelas
pessoas comuns, facilmente se evoca (apesar de todos os problemas práticos
implícitos a essa situação) os fundamentos e pressupostos da punição,
realizando, em tese, um ideal de justiça cuidadosamente construído ao longo de
muitos anos. Mas e quando falamos de nós mesmos e dos pequenos delitos pessoais
e sociais cometidos pelas pessoas em nosso círculo pessoal mais íntimo? Amigos,
família, crianças, cachorros? Temos vontade de punir para repreender e ensinar
ou de punir para retaliar?
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 18 de janeiro de 2014.
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