sábado, 1 de dezembro de 2012

O que fazer para não sustentarmos bandidos


Certa vez, num passeio de férias, o guia turístico passou por um prédio público e disse: este aqui é o melhor lugar da cidade, onde podemos obter três refeições por dia, hospedagem e lavanderia de graça; é nosso presídio. Lembrei-me do episódio depois de ler as declarações do governador do Estado sobre as rebeliões em presídios do interior e da capital, dizendo que não poderíamos sustentar mordomias de bandidos e que, em nosso sistema prisional, as vítimas sustentavam os criminosos.

As mordomias a que se refere o governador, ouso deduzir, são as reinvindicações dos encarcerados: atendimento médico, assistência social e água potável. O Brasil está distante da realidade deste lugar onde fui passar férias, em que o presídio é lembrado com gracejo por significar o sustento gratuito de detentos; o próprio Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em uma sincera gafe, disse que preferia morrer a ter que cumprir pena em um presídio brasileiro. Não penso que detentos precisem de mordomias; contudo, o Estado deve dar tratamento humano a qualquer cidadão que precise – criminoso ou não.

E as vítimas sustentam os prisioneiros? Sustentam; e têm mesmo que sustentar, porque isso faz parte da vivência em sociedade: os sãos sustentam o tratamento dos doentes, os que podem pagar um médico particular pagam impostos para a saúde pública; quem não tem filhos sustenta a creche e a escola de quem tem, e, por fim, a vítima sustenta o encarceramento do prisioneiro. É bem simples: vivemos em tal dinamismo que, facilmente, o saudável de hoje adoeça amanhã; que o jovem envelheça antes de morrer; que a vítima cometa um crime, que as mulheres engravidem e os homens virem pais etc.

Dizer que é injusto a vítima sustentar o criminoso através do tributo é uma falha de raciocínio. Ora, se a vítima resolve, por algum motivo, jamais estudar, ela deve ficar isenta de pagar impostos destinados à educação? Claro que não; há uma falha de raciocínio aí. Ademais, tratar um preso com dignidade é tão sinal de desenvolvimento quanto educar as crianças e cuidar dos idosos. E mais: que bom que a vítima “sustenta” o prisioneiro, posto que o objetivo principal da prisão seja a ressocialização, e não a mera punição, ainda que a realidade não alcance este ideal.

É difícil, para o cidadão de bem, aceitar que um bandido deva ser tratado com humanidade; é penoso imaginar que um homicida deva receber um tratamento digno que sequer pensou em dedicar às suas vítimas. No entanto, é preciso fazer um esforço e pensar na coletividade em perspectiva ampla.

Sob a escusa de não mais “sustentar” criminosos, o Estado deveria libertar todos e aí ninguém mais sustentaria ninguém, certo? Não é bem por aí. O caminho certo é a educação, em primeiro lugar, e as condições de ressocialização, subsidiariamente.

Aliás, para um governante humanista, o investimento em boas condições de encarceramento passa a valer quando há pelo menos um detento reabilitado e reajustado à sociedade, ainda que o restante tenha falhado.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 1o de dezembro de 2012.

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