Certa vez, num passeio de férias, o
guia turístico passou por um prédio público e disse: este aqui é o melhor lugar
da cidade, onde podemos obter três refeições por dia, hospedagem e lavanderia
de graça; é nosso presídio. Lembrei-me do episódio depois de ler as declarações
do governador do Estado sobre as rebeliões em presídios do interior e da
capital, dizendo que não poderíamos sustentar mordomias de bandidos e que, em
nosso sistema prisional, as vítimas sustentavam os criminosos.
As mordomias a que se refere o
governador, ouso deduzir, são as reinvindicações dos encarcerados: atendimento
médico, assistência social e água potável. O Brasil está distante da realidade
deste lugar onde fui passar férias, em que o presídio é lembrado com gracejo
por significar o sustento gratuito de detentos; o próprio Ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo, em uma sincera gafe, disse que preferia morrer a ter que cumprir
pena em um presídio brasileiro. Não penso que detentos precisem de mordomias; contudo,
o Estado deve dar tratamento humano a qualquer cidadão que precise – criminoso
ou não.
E as vítimas sustentam os
prisioneiros? Sustentam; e têm mesmo que sustentar, porque isso faz parte da
vivência em sociedade: os sãos sustentam o tratamento dos doentes, os que podem
pagar um médico particular pagam impostos para a saúde pública; quem não tem
filhos sustenta a creche e a escola de quem tem, e, por fim, a vítima sustenta
o encarceramento do prisioneiro. É bem simples: vivemos em tal dinamismo que,
facilmente, o saudável de hoje adoeça amanhã; que o jovem envelheça antes de
morrer; que a vítima cometa um crime, que as mulheres engravidem e os homens
virem pais etc.
Dizer que é injusto a vítima
sustentar o criminoso através do tributo é uma falha de raciocínio. Ora, se a
vítima resolve, por algum motivo, jamais estudar, ela deve ficar isenta de
pagar impostos destinados à educação? Claro que não; há uma falha de raciocínio
aí. Ademais, tratar um preso com dignidade é tão sinal de desenvolvimento
quanto educar as crianças e cuidar dos idosos. E mais: que bom que a vítima
“sustenta” o prisioneiro, posto que o objetivo principal da prisão seja a
ressocialização, e não a mera punição, ainda que a realidade não alcance este
ideal.
É difícil, para o cidadão de bem,
aceitar que um bandido deva ser tratado com humanidade; é penoso imaginar que
um homicida deva receber um tratamento digno que sequer pensou em dedicar às
suas vítimas. No entanto, é preciso fazer um esforço e pensar na coletividade
em perspectiva ampla.
Sob a escusa de não mais “sustentar”
criminosos, o Estado deveria libertar todos e aí ninguém mais sustentaria
ninguém, certo? Não é bem por aí. O caminho certo é a educação, em primeiro
lugar, e as condições de ressocialização, subsidiariamente.
Aliás, para um governante humanista,
o investimento em boas condições de encarceramento passa a valer quando há pelo
menos um detento reabilitado e reajustado à sociedade, ainda que o restante
tenha falhado.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 1o de dezembro de 2012.
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