O Exame
Nacional do Ensino Médio – ENEM, desde que se tornou a principal porta de
entrada para as universidades brasileiras, sempre chamou muita atenção. Todavia,
apesar de ser uma releitura (mal feita, frise-se) de um modelo de vestibular internacionalmente
reconhecido e utilizado em diversos países, a repercussão gerada pelo ENEM nem
sempre – ou quase nunca – foi positiva.
Em 2013, o
ENEM bateu mais um recorde no quesito “palhaçada”: divulgou os espelhos de
correção das redações dos estudantes e, para a surpresa de todos, havia
redações com sérios erros de língua portuguesa, como “trousse”, “enchergar” e
“rasoável”, que alcançaram a nota máxima; e textos com enxertos de receitas culinárias
e hinos de times de futebol, que tiveram pontuação baixa, mas relativamente
satisfatória.
É óbvio que
ninguém leu estas redações. Qualquer pessoa com bom senso não atribuiria nota
máxima a um texto com estes erros gramaticais, por mais bem estruturado que ele
estivesse; da mesma forma, mereceria nota zero um texto com enxertos
“graciosos”, tanto pela manifesta intenção do autor de testar a correção (que,
afinal, descobriu-se inexistente), quanto pelo absurdo em que o texto se
transforma.
O INEP, instituto
que organiza o ENEM, ao responder as críticas, disse que estes textos – um com
uma receita de macarrão instantâneo e outro com o hino do Palmeiras – preenchiam
algumas competências de avaliação, obtendo determinada nota, ainda que
perdessem pontos pelos parágrafos sem sentido que incluíram. Quanto aos graves erros
gramaticais em “redações nota dez”, os organizadores do Exame disseram que
estes “desvios” gramaticais devem ser relevados, tendo-se em conta que o
candidato do ENEM é, por definição, “um egresso do ensino médio, ainda em
processo de letramento na transição para o nível superior”.
Esta
declaração só pode ser uma piada de mau gosto. Se um indivíduo terminou o
ensino médio e ainda não sabe ler e escrever bem, ele precisa refazer o ensino
médio, porque ainda não está pronto para entrar no ensino superior. Pelo
raciocínio do Ministério da Educação, um estudante que não tem condições de
escrever um texto de 30 linhas pode tranquilamente iniciar o curso de Letras em
uma universidade federal. Qual será o próximo passo? Permitir que um estudante
que não consegue realizar operações simples de soma e subtração inicie o curso
de Engenharia, porque está em “processo de aprendizado” nesta área?
A política
adotada pelo Ministério da Educação põe em risco todo o sistema educacional
brasileiro que, embora não fosse perfeito, respeitava a meritocracia e a
qualidade do ensino. Agora, subverte-se a noção de educação para popularizá-la,
não oferecendo educação de qualidade para todos, mas distribuindo vagas nas
universidades irresponsavelmente, para satisfazer propósitos eleitorais e
maquiar estatísticas. Redações não corrigidas, erros graves ignorados, deformação
do entendimento de “língua culta”... Esta é a política educacional do Brasil.
Desse jeito, aonde vamos parar?
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 23 de março de 2013.
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