Todo mundo conhece alguém que tem um
problema na Justiça. As pessoas normalmente contratam um advogado ou correm
para a Defensoria Pública, explicam o problema, dão os documentos necessários,
assinam uma procuração e pronto: aquele sujeito cuidará de tudo. No entanto,
ninguém se contenta somente com entregar o problema nas mãos do advogado e
“deixar para lá”. É preciso mais: as pessoas querem Justiça, e sempre desejam
saber em que pé está o seu processo, o seu problema, a sua situação.
A partir daí é que o “juridiquês”
começa a aparecer nas nossas vidas: é “extra petita” para cá, “tutela
antecipada” para lá, “vício redibitório” aqui, “sobrestamento” ali, e, no final
das contas, a pessoa mais interessada no processo – quem entrou com a ação ou
dela está se defendendo – não entende mais nada do seu problema, nem o que seu
advogado disse, nem o que advogado da outra parte disse, e muito menos o que o
juiz decidiu.
É normal que cada área tenha uma
linguagem técnica específica, e no Direito não é diferente: como todos, utilizamos
códigos que facilitam a comunicação entre quem está atuando em um processo. Mas
até que ponto isto não atrapalha o acesso à Justiça?
Na década de 1970, o jurista
italiano Mauro Cappelletti lançou o livro “Acesso à Justiça”, em que defendia
que haveria três “ondas de renovação” do acesso à Justiça, no sentido de uma
prestação jurisdicional mais justa e próxima do povo. A primeira onda de
renovação da Justiça seria trazê-la para perto dos mais pobres, porque os
custos de ter um processo na Justiça eram muito altos. No Brasil, isso está
sendo resolvido com o crescimento das Defensorias Públicas, que prestam auxílio
jurídico para os hipossuficientes.
O segundo momento seria o da defesa
dos direitos difusos e coletivos, que são aqueles direitos defendidos pelo
Ministério Público e que, quando violados, prejudicam a sociedade ou parte de
seus integrantes. A terceira onda de acesso à Justiça, por fim, seria aquela em
que o Poder Judiciário se preocuparia em atender melhor o jurisdicionado, ou
seja, os seus “clientes”. Nesse sentido, cabe fazer uma breve reflexão sobre o
“juridiquês”. Mesmo sendo uma linguagem necessária ao Direito, será que ele não
pode ser dispensado ou flexibilizado em algumas situações, para que a Justiça
não só seja feita, mas seja também conhecida e entendida?
Gerivaldo Alves Neiva, juiz de
Direito da Bahia, deu uma bela lição à comunidade jurídica em 2005, quando proferiu
uma sentença que ficou conhecida como “sentença para marceneiro ler”. No texto
da sentença, o juiz não usa qualquer expressão em latim, e desenvolve os fatos
e o direito como quem conta uma história para um amigo. Ao invés de falar
“arquivem-se os autos”, diz para a Secretaria “guardar o processo bem
guardado!”, e que aquela era uma sentença para ser entendida por um homem
simples. O “juridiquês” tem seu valor e até sua beleza, mas não poderia a
Justiça estar mais próxima da simplicidade? Cabe a reflexão.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 27 de abril de 2013.
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