quarta-feira, 1 de maio de 2013

O "juridiquês" no acesso à Justiça


Todo mundo conhece alguém que tem um problema na Justiça. As pessoas normalmente contratam um advogado ou correm para a Defensoria Pública, explicam o problema, dão os documentos necessários, assinam uma procuração e pronto: aquele sujeito cuidará de tudo. No entanto, ninguém se contenta somente com entregar o problema nas mãos do advogado e “deixar para lá”. É preciso mais: as pessoas querem Justiça, e sempre desejam saber em que pé está o seu processo, o seu problema, a sua situação.

A partir daí é que o “juridiquês” começa a aparecer nas nossas vidas: é “extra petita” para cá, “tutela antecipada” para lá, “vício redibitório” aqui, “sobrestamento” ali, e, no final das contas, a pessoa mais interessada no processo – quem entrou com a ação ou dela está se defendendo – não entende mais nada do seu problema, nem o que seu advogado disse, nem o que advogado da outra parte disse, e muito menos o que o juiz decidiu.

É normal que cada área tenha uma linguagem técnica específica, e no Direito não é diferente: como todos, utilizamos códigos que facilitam a comunicação entre quem está atuando em um processo. Mas até que ponto isto não atrapalha o acesso à Justiça?

Na década de 1970, o jurista italiano Mauro Cappelletti lançou o livro “Acesso à Justiça”, em que defendia que haveria três “ondas de renovação” do acesso à Justiça, no sentido de uma prestação jurisdicional mais justa e próxima do povo. A primeira onda de renovação da Justiça seria trazê-la para perto dos mais pobres, porque os custos de ter um processo na Justiça eram muito altos. No Brasil, isso está sendo resolvido com o crescimento das Defensorias Públicas, que prestam auxílio jurídico para os hipossuficientes.

O segundo momento seria o da defesa dos direitos difusos e coletivos, que são aqueles direitos defendidos pelo Ministério Público e que, quando violados, prejudicam a sociedade ou parte de seus integrantes. A terceira onda de acesso à Justiça, por fim, seria aquela em que o Poder Judiciário se preocuparia em atender melhor o jurisdicionado, ou seja, os seus “clientes”. Nesse sentido, cabe fazer uma breve reflexão sobre o “juridiquês”. Mesmo sendo uma linguagem necessária ao Direito, será que ele não pode ser dispensado ou flexibilizado em algumas situações, para que a Justiça não só seja feita, mas seja também conhecida e entendida?

Gerivaldo Alves Neiva, juiz de Direito da Bahia, deu uma bela lição à comunidade jurídica em 2005, quando proferiu uma sentença que ficou conhecida como “sentença para marceneiro ler”. No texto da sentença, o juiz não usa qualquer expressão em latim, e desenvolve os fatos e o direito como quem conta uma história para um amigo. Ao invés de falar “arquivem-se os autos”, diz para a Secretaria “guardar o processo bem guardado!”, e que aquela era uma sentença para ser entendida por um homem simples. O “juridiquês” tem seu valor e até sua beleza, mas não poderia a Justiça estar mais próxima da simplicidade? Cabe a reflexão.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 27 de abril de 2013.

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