sábado, 23 de novembro de 2013

A fronteira da intimidade

Sempre que surge um momento de silêncio entre mim e a Ana, ela me diz: 25 centavos. Da primeira vez que ouvi a frase, não soube o que ela queria dizer com aquilo, e perguntei logo do que se tratava. “25 centavos pelo seu pensamento”, ela respondeu. Queria saber, portanto, o que passava pela minha cabeça enquanto transcorriam aqueles segundos que atravessavam a conversa entre uma palavra e outra.

Jamais soube o que dizer em todas as vezes que passávamos por esses momentos e ela me dizia, curiosa: 25 centavos. Sempre respondia que não estava pensando em nada, mas, sinceramente, não sei se era verdade. Incomoda-me profundamente a ideia de que, por alguns instantes, o cérebro possa entrar em inatividade, e alguém possa dizer que realmente não estivesse pensando em nada; por outro lado, toda vez que ela me oferecia 25 centavos pelo meu pensamento, eu não conseguia, apesar do esforço, formular qualquer resposta sobre o que eu estivesse eventualmente pensando. E agora?

Segundo um amigo a quem contei a história, provavelmente pensamos milhares de coisas ao mesmo tempo nesses breves minutos, e por isso não conseguimos concatenar em palavras o que passou pela mente. Parece uma boa resposta, mas não posso deixar de pensar que, igualmente, pode ser que, diante da inquisição (“25 centavos pelo seu pensamento!”), simplesmente não consigamos revelar para o outro as nossas ideias porque o pensamento é a última fronteira da intimidade.

Não é que necessariamente tenhamos vergonha de revelar os nossos pensamentos por serem eles escusos ou socialmente reprováveis; isso também, claro. No entanto, temos receio de dizer o que estamos pensando porque expor as ideias assim, diante da imposição de uma pergunta, é enfrentar a pior nudez que existe: não a de estar sem roupas, mas a de estar sem subterfúgios que protejam o que nós realmente pensamos de tudo e de todos.

Na era da informática, com o Twitter e o Facebook permeando todas as horas de nossas vidas, é cada vez mais difícil guardar para si um fragmento de verdadeira privacidade e intimidade. A privacidade, a propósito, diz respeito à nossa vida em um círculo social pequeno, com amigos e família, e isso, infelizmente, já está completamente publicado em aleatórias páginas da internet. A intimidade, por sua vez, possui um núcleo mais restrito, que se refere ao indivíduo consigo e suas relações interpessoais mais caras: esta dimensão já está ameaçada pelas suspeitas de fraudes de e-mails, espionagem, manipulação ilegal de dados etc.


O que nos resta, então, senão nosso pensamento? Ele é, realmente, a última fronteira que nos separa da absoluta exposição, não obstante isso soe exagerado. George Orwell anteviu, na obra “1984”, o terror que seria viver em um mundo no qual pensar certas coisas seria crime, e talvez o receio em desnudar o próprio pensamento seja natural àqueles que leram o livro... De todo modo, continuarei a responder que “não sei”, sempre que Ana me perguntar o que estou pensando: é a defesa dessa última fronteira.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 23 de novembro de 2013.

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