sábado, 30 de novembro de 2013

A nostalgia dos perfumes e dos sabores

A mente humana funciona de um jeito curioso: equações matemáticas, conclusões filosóficas, a saudade, o amor, entre outras coisas que o cérebro produz inexplicavelmente. Muito embora os cientistas estudem esses fenômenos todos os dias, ninguém sabe muito bem como a nossa mente é capaz de produzir todas essas sensações. Mais do que isso, é extremamente curioso o que o cérebro faz com todas essas informações, e como ele as distribui ironicamente em nosso dia-a-dia.

A propósito, lembro-me das palavras de Milan Kundera, em A Insustentável Leveza do Ser, quando divaga sobre isso. Diz o autor tcheco que a mente funciona com engrenagens, e que elas giram desencadeando sentimentos e emoções. Segundo ele, a engrenagem da ereção, em um homem, normalmente está atrelada à engrenagem da imagem de uma bela mulher, razão pela qual um homem talvez se excite quando vê uma bela mulher; por outro lado, curioso seria se, por um desígnio do destino, a engrenagem da ereção estivesse atrelada à engrenagem da imagem de uma andorinha, e então inexplicavelmente um homem poderia ficar excitado ao observar o voo de uma ave. Apesar da atecnia da explicação, não vejo problemas no raciocínio; acho-o, inclusive, muito pertinente.

Certa vez, enquanto tomava um copo d’água na cozinha, peguei-me fitando um saco de batatas timidamente posto no chão, e a partir daí tive inúmeras lembranças do intercâmbio que fiz em Portugal, já que a batata fazia parte inseparável das refeições portuguesas e dos pratos servidos na Faculdade em que lá estudei. Comentei o caso com alguns colegas e, para o meu espanto, todos narraram histórias parecidas: o cheiro de algum aromatizante de ar que lembrava uma ex-namorada, uma sobremesa específica que remontava a alguma data especial, ou mesmo uma colega que dizia que a água Perrier a fazia lembrar de que não gostara de beber água na França. Vai explicar! São as engrenagens do cérebro desencadeando, sabe-se lá por quais motivos, as mais diversas sensações e memórias.

Cheguei à conclusão, depois de um tempo, de que todos nós temos algumas coisas que, armazenadas pelo cérebro e irreverentemente dispostas por ele, nos causam nostalgia, saudade ou nos fazem esboçar um tímido sorriso de canto da boca. Pode ser, realmente, uma comida que nos remeta a nossa infância, ou uma música que nos faça lembrar um show marcante, um quadro, um filme. Qualquer coisa. Inevitável imaginar que, se todas as pessoas têm algo do tipo, até os gênios deviam ter, em momentos de lazer ou em arroubos de brilhantismo, coisas que neles desabrochavam lembranças curiosas...


A reflexão – por mais que pareça! – não é sem propósito. Digo tudo isso (sobre batatas, perfumes, engrenagens e lembranças) para pontuar o quão único e complexo é o gênero humano. É uma obviedade, evidentemente. Mas o óbvio se esconde atrás do véu do cotidiano (tão corrido!), e por vezes é necessário desvelá-lo, nem que seja por meio de uma anedota destas.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 30 de novembro de 2013.

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