sexta-feira, 15 de novembro de 2013

As aventuras do Legislativo

Deu nos jornais: “Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprova proposta de cotas raciais para deputados”. Mais uma vez, é o Legislativo “jogando para a torcida”, com o fim de legislar absurdos e fazer populismo próximo às eleições. Pergunta-se: para que instituir cotas raciais no parlamento? A cota é uma ação afirmativa, política pública que tem o objetivo de sanar, paliativamente, alguma disparidade social. Nas eleições, contudo, ela não faz sentido.

Façamos um paralelo com a educação. Nas universidades, é até interessante a existência de cotas (como medida temporária, evidentemente), já que todos têm direito à educação e, no entanto, as vagas são limitadas. Aliás, a educação é dever do Estado e, acima de tudo, um direito fundamental do cidadão, o qual, em tese, não pode ser negado em hipótese alguma. A atividade parlamentar, todavia é uma opção entre candidato e eleitores, durante o processo eleitoral, sem requisitos muito específicos ou coisa que o valha. Por que, então, instituir cotas em uma atividade que é opcional (e não obrigatória) e, sobretudo, já é, por essência, acessível?

É o jeitinho brasileiro de promover a igualdade: a democracia demagógica e “nas coxas”, com claro objetivo eleitoreiro. Mas essa história de “legislar para a torcida” motiva outras aventuras, mesmo em Manaus. Há um outdoor, espalhado pela cidade, que mostra algumas “propostas” de um deputado estadual: “menos tempo nas filas”, “mais médicos”, “melhor atendimento”... Ora, isso lá é proposta? No máximo, é um anseio geral; “proposta”, entretanto, é algo em que constam os meios e recursos para conseguir atingir determinada finalidade. Outdoors como este, muito aquém de propostas, querem apenas exibir a ideia de “estou trabalhando, votem em mim nas próximas eleições”.

Outro outdoor curioso, já não mais em circulação, mostrava o rosto de um deputado estadual (não o mesmo), e algo como “o serviço de telefonia tem que melhorar, e o preço tem que baixar!”. É verdade... Mas não é óbvio? Duas coisas assustam: a primeira, gastar dinheiro em uma propaganda com uma obviedade absurda dessas; a segunda, é que simplesmente não é competência de um deputado estadual legislar sobre os serviços de telefonia, matéria que é de competência exclusiva da União (art. 21, inciso XI, da Constituição da República). Em suma: o outdoor, além de óbvio, contém uma indignação vazia de conteúdo, mas cheia de autopromoção.


Estes são retalhos de um Poder Legislativo ineficiente e que busca “mostrar serviço” com atos e leis que, não raro, mais atrapalham do que ajudam. Em “Amor nos tempos do cólera”, de Gabriel Garcia Márquez, o personagem Lorenzo Daza dizia que a pior coisa que a má saúde era a má fama. No Brasil, a frase teria de ser adaptada. Aqui não há “pior” ou “melhor”, porque algumas coisas andam em pé de igualdade: a má saúde (da população), a má educação (das crianças), a má infraestrutura (das cidades) e, por fim, a má fama do Legislativo.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 2 de novembro de 2013.

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