O Natal é, ao mesmo tempo, uma data
religiosa e um fato social. É uma data religiosa porque simboliza o nascimento
de Cristo para as religiões cristãs; e é um fato social porque o Natal se impõe
a todos independentemente da crença religiosa de cada um. É verdadeiramente
impossível, pelo menos no Brasil, não “passar pelo Natal”, mesmo não sendo
cristão.
Se ele tem significado bem definido
para a cristandade, então o que resta àqueles que só o percebem como um “fato”,
e não como uma data religiosa? Em outras palavras: qual o significado do Natal
para ateus e pessoas de outras religiões? Fatalmente será um significado
ligeiramente diverso do que é dado pelo cristianismo, mas não menos nobre.
John Hicks, filósofo contemporâneo, trata da
diversidade de religiões através da narrativa sobre a percepção sensorial de
três homens cegos ao descreverem um elefante. A literatura filosófica, ao longo
dos anos, desenvolveu outras histórias baseadas na mesma premissa, e eu peço
licença para humildemente utilizar a minha, e não a original, que está
disponível na internet. Imaginemos, pois, dois homens cegos, e não três.
Dois homens cegos são levados para o
Encontro das Águas, tendo lhes sido dito somente que iriam para um rio, sem que
soubessem qual. Lá chegando, cada um pulou de um lado do barco, nadou um pouco
e depois voltou à embarcação. O cego que havia pulado no rio Negro descreveu a
experiência de nadar em um rio com águas leves, de temperatura um pouco mais
elevada; o cego que pulara no rio Solimões discordou, e narrou que tinha pulado
em um rio um pouco mais frio, com águas pesadas e provavelmente barrentas. Cada
um dos dois atestou, irredutivelmente, o acerto próprio e o erro do outro.
Algum deles está incorreto?
Evidentemente, não. Assim é que John Hicks defende que todas as religiões
estejam certas, ainda que os dogmas de uma sejam absolutamente conflitantes com
os dogmas de outra. Dessa forma, não há incongruência no convívio pacífico
entre as inúmeras religiões existentes, uma vez que todas são percepções
(culturalmente) distintas do que é a divindade. E o que isso tem haver com a
mensagem do Natal?
A história dos dois (ou três) homens
cegos nos traz essencialmente a ideia de tolerância e diálogo. Assim, ainda que
não se acredite no Natal, por motivos religiosos, ou que se esteja convicto de
que a data é apenas um artifício de mercado, é preciso ter em mente que essas
convicções não são “erros” ou “acertos”, mas apenas perspectivas diferentes
sobre um mesmo fenômeno. Não foi o que quis Francisco I pregar, quando falou de
tolerância e da aproximação da Igreja Católica com as outras igrejas?
Saiamos, contudo, do campo da
religião, porque essa premissa vale para muitas outras coisas, e têm faltado
tolerância e diálogo em tudo: no futebol, na política, no trânsito, na justiça.
Os exemplos são muitos, mas o espaço é limitado. Que o Natal nos dê, então,
além do feijão-com-arroz reflexivo de todos os anos, um pouco mais de
tolerância e diálogo. Nós precisamos!
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 21 de dezembro de 2013.
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