Certa vez, conversando com um amigo,
ele me contou que resolvera visitar um psicólogo, porque queria apertar um
pouco seus parafusos. Contou-me que havia relutado muito, mas que um belo dia
tinha ligado para o consultório e marcado um horário. Lá chegando, acomodou-se
no divã e, após as considerações iniciais de praxe, ouviu a seguinte pergunta
vinda do terapeuta: “quem é você?”.
Disse que não soube responder e que,
diante do fato de simplesmente não poder responder àquela pergunta, desabou em
lágrimas. Chorava copiosamente enquanto se dava conta de que não sabia quem era
ele próprio, até que enfim se acalmou a deu curso à consulta. E a partir daí eu
já tinha deixado de prestar atenção no relato sobre a primeira sessão de
terapia e me concentrava, incomodado, na pergunta que tinha deixado meu colega
tão fora de si: “quem é você?”.
Albert Camus, escritor francês,
possui uma célebre frase: “Se queres ser reconhecido, é só dizeres quem és.
Creio que não sabemos quem somos. O que alguém faz, no fundo, é muito mais
importante do que o que sabe sobre si mesmo”. José Saramago, noutro passo,
dizia que viver sem saber onde estamos era algo na vida que não poderia
suportar, e arrematava com ironia: “Sim, estamos na Terra, no sistema solar, na
galáxia, mas realmente onde estamos?”. Pois não creio que saibamos.
A existência humana é marcada pela
ignorância e pela dúvida; a curiosidade e a busca pelo conhecimento são
consequências disso, e a Filosofia e a Ciência, que mais nos dão novas
perguntas do que novas respostas, estão aí para nos provar isso. E nós, quem
somos? A esse questionamento é quase impossível responder. Sabemos quem amamos,
o que comemos, com o que trabalhamos e o que gostamos de fazer nas horas vagas,
mas jamais poderemos afirmar com certeza que sabemos quem somos.
Por esse motivo, muito
provavelmente, é o que homem vive em conflito com o mundo: porque não se
conhece e não consegue resolver seus conflitos internos. Lembro-me de outra
anedota. Visitei um “clube do livro” outro dia, apesar de não ter lido o livro
que havia sido indicado para a reunião; justamente por não ter lido o livro,
fiz questão de atentar para os debates. Já não me recordo o enredo, mas grande
parte das discussões versou sobre “descoberta” e “consciência” do próprio
caminho, e sobre como o indivíduo busca conhecer a si próprio, exatamente por
ser insipiente.
Depois de ter ficado a reunião toda
calado (afinal, não tinha lido o livro!), fui questionado sobre o tema em
pauta. Confesso que pensei pouco e acabei falando qualquer besteira que, na
hora, me tinha soado como puro artifício de retórica... Horas depois, pensando
sobre o assunto, cheguei à conclusão de que não tinha ido tão mal, e que minhas
palavras até que faziam algum sentido. E se fôssemos a eterna busca pelo
autoconhecimento? Enxergamos a vida sob uma ótica embaçada, e todos os dias
tentamos “limpar a janela” dos nossos olhos, desconstruir nossas impressões e
expectativas, e nos conhecer melhor. É isso que somos?
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 7 de dezembro de 2013.
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