Passa o Natal, vem chegando o
réveillon, e as “retrospectivas 2013” se intensificam, como sempre ocorre em
todos os dezembros, todos os anos. Em mídia escrita e televisiva,
apresentadores falam da visita do Papa, das condenações do mensalão, da venda
de Neymar ao Barcelona, das manifestações que avassalaram o país, dos
agraciados pelo Oscar e pelo Nobel e por aí vai. Resumindo: dezembro é a
celebração da memória humana por meio de grandes retrospectivas.
A memória humana, a propósito, é
algo incrível, e aqui vale uma pequena digressão. Minha avó materna, com idade
já avançada, possui certa dificuldade para se comunicar, lembrar a fisionomia
dos netos e genros mais distantes etc., como é comum nesta fase da vida.
Contudo, inquirida sobre qualquer operação matemática de multiplicação ou
divisão, demora pouquíssimos segundos para dar a resposta certeira. Igualmente,
certo dia uma de minhas primas colocou na sua frente um pequeno teclado de
brinquedo, no qual ela habilmente tocou as primeiras notas da 9ª Sinfonia de
Beethoven com precisão. E há décadas não sentava ao piano!
Talvez seja por isso que tantas
retrospectivas são feitas todos os anos, porque nossa memória tenha algo
incrível e também de traiçoeiro: esquecemos fatos, nomes, rostos; e lembramos,
noutro giro, sabores, movimentos, respostas. Quem seleciona, na organização da
mente, as gavetas de lembranças que abrem com facilidade e as que emperram,
fechando-se eternamente? É capricho de deus ou da álea? Pela dúvida, a ordem é
rememorar. Daí se faz retrospectivas.
Há um outro motivo importante:
erramos sempre as mesmas coisas. Um dos objetivos da História é documentar
nossos erros e acertos, a fim de que possamos eliminar os primeiros e reiterar
os últimos. Assim funciona uma retrospectiva também, já que certamente veremos
no que governo vacilou, ao aumentar juros aqui e acolá; e como o “brasileiro
médio” acertou ou errou, ao investir em um ou outro investimento etc.
Por fim, a última (ou pelo menos a
última que consigo lembrar) razão de ser das retrospectivas é nos dar a
impressão de que a vida é feita de ciclos. Termina 2013, inicia-se 2014, um
novo “ano”. Evidentemente, fatiar o tempo em dias, semanas, meses e anos foi
uma ideia incrível, pura invenção humana. O tempo, na realidade, é um só do
começo ao fim, e o homem teve a iniciativa de dividi-lo em etapas porque a
sensação da contundente imposição eterna do tempo seria insuportável. Com a
vida devidamente separada em anos, temos a oportunidade de fechar ciclos ruins
e começar ciclos bons; caso contrário não poderíamos.
Aproveitemos, então, as fatias do
tempo em ciclos. Que os demônios de 2013 fiquem aqui em 2013, junto com suas
frustrações, desilusões, desistências e desesperanças. E que em 2014 se possa
trazer à memória nossos erros e acertos, com ajuda de deus ou do acaso, para que
se inicie e se feche um ciclo bom. Feliz ano novo!
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 28 de dezembro de 2013.
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