Acredito que pouca gente saiba que o
BBB foi inspirado no romance “1984”, de George Orwell. No livro, uma sociedade
totalitária é representada pelo rosto de um sujeito que tudo vê, o Grande
Irmão; e ele vê tudo através das “teletelas”, que ficam espalhadas em todos os
cantos dessa sociedade imaginária e distópica. Em todo lugar existe uma
teletela, de modo que todas as pessoas são observadas a todo momento. Daí é que
surgiu a ideia de produzir o reality show Big Brother, que depois veio ao
Brasil e se tornou o BBB.
O poder do Grande Irmão vinha
justamente de sua vigilância, e de como as pessoas se sentiam ao ter suas vidas
devassadas. Não podiam fazer nada que o Grande Irmão reprovasse, senão corriam
o risco de serem punidas. O BBB tem mais ou menos a mesma premissa: ante o
risco de serem julgados pela sociedade, com todos os seus dogmas e
preconceitos, os participantes se mantêm constantemente temerosos, medindo
palavras e atos. Em tese, apenas, porque o Grande Irmão aparentemente perdeu
seu poder.
Na atual edição do programa, o
público já viu uma moça nua em pelo tomar banho durante alguns minutos, além de
costumeiramente fazer topless sóbria e durante o dia; um rapaz nadar pelado na
piscina; um outro rapaz conversar de porta aberta com um de seus colegas,
enquanto usa o vaso sanitário, e por aí vai. Quer dizer: qualquer temor que o
julgamento da sociedade pudesse impor esvaiu-se. Não quero aqui fazer juízo de
valor sobre o programa ou sobre quem o assiste, e menos ainda sobre quem dele
participa. Mas é que a falta de pudor (não como “falta de vergonha na cara”,
mas o pudor como mera tendência a proteger a intimidade) dos participantes
levanta questões interessantes.
Sempre ouvi que o BBB era uma espécie
de “experiência sociológica”, para além de antropológica e psicológica. Diante
disso, imaginei que não houvesse mais o que descobrir, e que após tantas edições
sucessivas a experiência já estivesse terminada. Ledo engano. A grande sacada
do BBB, como “experimento”, não é observar como as pessoas são quando
confinadas; quanto a isso sempre houve muitos estudos e, é bom dizer, bem
melhores. A grande descoberta do BBB, na verdade, é sobre intimidade e
espetáculo.
Como se comporta uma sociedade
diante das câmeras? A partir do BBB, podemos dizer que ela perde completamente
o pudor. Seria exagerado dizer que nossa sociedade passou por essa
transformação, e que está em vias de perder o pudor? É isso que nos dizem esses
mais de 10 anos de BBB? Espionagem americana, hacking, Facebook... Sabemos onde
está a intimidade dos participantes do programa, mas não fazemos ideia de onde
vai parar a nossa. A história já cansou de documentar pequenas coisas que,
embora parecessem desimportantes, eram verdadeiros retratos de uma ou outra
sociedade. Oxalá o BBB não seja, daqui a cem anos, o retrato de como é a nossa
sociedade hoje; não porque o programa é ruim ou coisa do gênero, mas porque
simboliza algo extremamente temerário: a espetacularização da intimidade
humana.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 1 de fevereiro de 2014.
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