terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Um "Grande Irmão" ineficaz

Acredito que pouca gente saiba que o BBB foi inspirado no romance “1984”, de George Orwell. No livro, uma sociedade totalitária é representada pelo rosto de um sujeito que tudo vê, o Grande Irmão; e ele vê tudo através das “teletelas”, que ficam espalhadas em todos os cantos dessa sociedade imaginária e distópica. Em todo lugar existe uma teletela, de modo que todas as pessoas são observadas a todo momento. Daí é que surgiu a ideia de produzir o reality show Big Brother, que depois veio ao Brasil e se tornou o BBB.

O poder do Grande Irmão vinha justamente de sua vigilância, e de como as pessoas se sentiam ao ter suas vidas devassadas. Não podiam fazer nada que o Grande Irmão reprovasse, senão corriam o risco de serem punidas. O BBB tem mais ou menos a mesma premissa: ante o risco de serem julgados pela sociedade, com todos os seus dogmas e preconceitos, os participantes se mantêm constantemente temerosos, medindo palavras e atos. Em tese, apenas, porque o Grande Irmão aparentemente perdeu seu poder.

Na atual edição do programa, o público já viu uma moça nua em pelo tomar banho durante alguns minutos, além de costumeiramente fazer topless sóbria e durante o dia; um rapaz nadar pelado na piscina; um outro rapaz conversar de porta aberta com um de seus colegas, enquanto usa o vaso sanitário, e por aí vai. Quer dizer: qualquer temor que o julgamento da sociedade pudesse impor esvaiu-se. Não quero aqui fazer juízo de valor sobre o programa ou sobre quem o assiste, e menos ainda sobre quem dele participa. Mas é que a falta de pudor (não como “falta de vergonha na cara”, mas o pudor como mera tendência a proteger a intimidade) dos participantes levanta questões interessantes.

Sempre ouvi que o BBB era uma espécie de “experiência sociológica”, para além de antropológica e psicológica. Diante disso, imaginei que não houvesse mais o que descobrir, e que após tantas edições sucessivas a experiência já estivesse terminada. Ledo engano. A grande sacada do BBB, como “experimento”, não é observar como as pessoas são quando confinadas; quanto a isso sempre houve muitos estudos e, é bom dizer, bem melhores. A grande descoberta do BBB, na verdade, é sobre intimidade e espetáculo.


Como se comporta uma sociedade diante das câmeras? A partir do BBB, podemos dizer que ela perde completamente o pudor. Seria exagerado dizer que nossa sociedade passou por essa transformação, e que está em vias de perder o pudor? É isso que nos dizem esses mais de 10 anos de BBB? Espionagem americana, hacking, Facebook... Sabemos onde está a intimidade dos participantes do programa, mas não fazemos ideia de onde vai parar a nossa. A história já cansou de documentar pequenas coisas que, embora parecessem desimportantes, eram verdadeiros retratos de uma ou outra sociedade. Oxalá o BBB não seja, daqui a cem anos, o retrato de como é a nossa sociedade hoje; não porque o programa é ruim ou coisa do gênero, mas porque simboliza algo extremamente temerário: a espetacularização da intimidade humana.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 1 de fevereiro de 2014.

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