sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Votos e devotos na contabilidade da eleição


Dada a largada na corrida pela prefeitura no pleito de 2012, não tardaram a surgir notícias em todos os veículos de comunicação sobre candidatos buscando apoio de grupos religiosos. De repente, em todos os cantos, prefeituráveis exibiam uma devoção inabalável, coincidindo curiosamente com a busca por votos.

Não duvido da fé de ninguém, mas acho estranho: como é comum adesivar carros, distribuir panfletos e fazer comícios, virou comum ir à igreja mais próxima e firmar aliança com um segmento religioso, buscando ser recomendado ou indicado por um líder litúrgico como o candidato certo para aquele cargo.

Mas foi Deus quem escolheu? Seria a versão democrática da teocracia? Certas igrejas em Manaus possuem mais de 100 mil adeptos, e ser o “eleito de Deus” em uma eleição municipal com tamanho apoio é uma vantagem política assustadora. Infelizmente, esses episódios pouco parecem ter relação com a fé e a devoção, e mais com a ambição de sentar na cadeira de chefe do Executivo municipal.

A separação entre religião e administração pública não vem daquele já cansado Princípio da Laicidade do Estado, que ainda vigora, mas do simples fato de que cada um possui seu negócio e não quer interferência de ninguém nele.

O Estado já não diz quem ele quer que ocupe cargos nas igrejas; e as igrejas já não ditam com quem o Estado deve firmar alianças políticas ou econômicas. As intervenções das igrejas em questões como o aborto e a união homoafetiva são apenas questões públicas e pleitos sociais a que têm direito todos os setores da sociedade, e não representam disputa eleitoral pelo poder.

O que fica parecendo é que essa separação enfraqueceu. O que prometem às igrejas os candidatos que delas buscam apoio político? Cargos, influência? Essa prática não é nova; muito pelo contrário, ela é praxe em todos os anos de eleição, entre candidatos e empresas, em troca de doações e apoio. A novidade que choca é que, dessa vez, é Deus quem cumpre o papel de empresa.

A posição dos candidatos é até compreensível, porque se supõe que façam e devam fazer tudo de lícito e possível por votos numa eleição. O que mais assusta, no entanto, é a posição dos inúmeros chefes de igrejas, “núcleos”, “células” e outras coletividades religiosas, que declaram apoio, entregam e prometem votos em nome de Deus e dos seus devotos. E a individualidade? Pior: e Deus, que nem teve a chance de se pronunciar? Para um líder religioso, que possui influência sobre famílias, pessoas e comunidades e sabe disso, talvez fosse mais discreto e interessante manter a neutralidade política.

No fim das contas, eleição é tempo de ouvir sugestões sim, do vizinho ou da família. Mas mais do que isso: é tempo de ouvi-las criticamente, lembrando que a escolha pelo melhor candidato não é de Deus ou de quem o representa, mas do cidadão e da sociedade.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 19 de setembro de 2012.

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