domingo, 24 de fevereiro de 2013

Yoani Sánchez: o totalitarismo e o direito de discordar


Yoani Sanchéz é uma ativista liberal cubana que mantém há algum tempo um blog chamado Generación Y, no qual, entre outras coisas, faz críticas ao regime ditatorial de Cuba. Recentemente, Cuba deixou de exigir de seus cidadãos alguns requisitos para que fizessem viagens ao exterior, adotando o sistema normal de passaportes, e, depois de 20 pedidos negados, Yoani finalmente pôde programar uma viagem internacional, em que passaria também pelo Brasil. Yoani chegou pela Bahia nesta semana, e foi recebida por amigos (e inimigos).

A luta de Yoani pelo exercício de sua liberdade de expressão é acompanhada pelo mundo todo através de seu blog e também pelo Twitter, em que ela possui mais de 400 mil seguidores. Por esse motivo, a imprensa mundial observa atentamente a viagem que ela agora faz, e esta viagem acaba fazendo surgir notícias desagradáveis e até inacreditáveis em pleno século XXI.

Ao chegar em Salvador, Yoani foi recebida com cartazes que diziam: “blogueira mercenária: Yoani Sanchéz é financiada pela CIA”, “Cuba socialista: exemplo na educação, na saúde, no esporte, na cultura (...)”, “Yoani Sanchéz é personalidade falsificada fabricada pelos Estados Unidos e seus aliados”, entre outras coisas. E que importa que Yoani Sanchéz seja financiada por algum governo ou pessoa, se é que isto seja verdade? Não por isso ela é menos digna de direitos, liberdades e garantias fundamentais que qualquer um de nós.

Não adianta a “Cuba socialista” ser exemplo em educação, saúde, esporte e cultura se não há o respeito às condições mínimas de realização da dignidade da pessoa humana. Aliás, num país em que não se pode discordar do governo sem sofrer represálias, faz muito sentido que uma ativista precise ser bancada por alguém. O que não faz sentido é, depois de tantos anos, algumas pessoas pensarem que ainda vivem a Guerra Fria.

Antes parassem por aí as notícias absurdas desencadeadas pela chegada de Yoani Sánchez. Mas não. Além da insurreição destes bolcheviques anacrônicos em pleno ano de 2013, os veículos de notícias do país ainda relataram que a participação dela na exibição de um documentário sobre a liberdade de expressão em Cuba foi impedida por cerca de 80 manifestantes da “juventude socialista”. Ou seja: a massa de manobra pode se expressar, desde que a outra parte se cale.

Yoani é acusada de “trair o sistema” socialista, por ser contra o totalitarismo cubano. Ora, como é possível trair uma relação que jamais se aceitara? A ditadura socialista é como uma mulher patologicamente apaixonada: persegue o indivíduo em sua intimidade e dignidade e, quando justamente rejeitada, diz-se traída. Pela lógica dos manifestantes, todos nós que vivemos em regimes democráticos somos “traidores do movimento”.

Que os manifestantes “engulam” a pobre Yoani Sánchez. A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes: se eles, graças à democracia, podem bradar aos quatro ventos um discurso histórico, ultrapassado e descontextualizado, que ela possa pelo menos discordar em paz.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 23 de fevereiro de 2013.

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