Há não muitas semanas, o ex-técnico
da CIA Edward Snowden desviou informação confidencial e divulgou para o mundo
inteiro que os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido faziam espionagem
em dados privados de milhares de pessoas comuns. Desde então, o debate sobre
segurança nacional versus privacidade dos indivíduos voltou à tona, sobretudo
nestes países, e tem ganhado destaque nos jornais e revistas do mundo todo.
Os usuários de internet, como
sempre, não deixaram barato. “Espionagem em dados privados” significa que os
governos americano e britânico estavam bisbilhotando o acesso de seus cidadãos
a e-mails, Facebook, SMS, ligações telefônicas e mais. Em tom de humor, logo
surgiram charges e caricaturas ironizando o assunto. Em uma das mais populares,
um casal tenta terminar uma ligação de telefone, com a velha conversinha de
“desliga você” e “ah, não, desliga você primeiro”; de súbito, Barack Obama
aparece na conversa e diz “desliguem logo vocês dois”.
Apesar do gracejo, a tal charge
ilustra bem o problema que, mais uma vez, entra em discussão. Até que ponto é
válido se intrometer na privacidade das pessoas, mesmo que por uma “boa causa”?
Teoricamente, a espionagem de dados privados de pessoas comuns, nos Estados
Unidos, era protegida pela “boa causa” da guerra ao terrorismo, em que era
preciso esmiuçar determinadas relações, através de telefonemas e e-mails, a fim
de encontrar um possível homem-bomba e neutralizá-lo a tempo, por exemplo. Mas
quais são os limites? É válido, ao buscar um ideal tão esparso (a “guerra ao
terror”), devassar a vida de pessoas comuns e inocentes, pelo menos até que se
prove o contrário?
Particularmente, tenho minhas
dúvidas sobre se esta espionagem governamental de dados privados é
verdadeiramente assustadora ou não. Se pensarmos com cuidado, mesmo despidos de
todas as possíveis teorias da conspiração, talvez seja razoável supor que isto
acontece há muito tempo e com quase todos os governos do mundo. Onde se exilou
nossa privacidade? Depois da internet e dos avanços tecnológicos, ainda mais em
vigilância governamental, ter vida privada é cada vez mais raro.
Divide-se a vida em três esferas:
vida pública, vida privada (aquela entre amigos e família) e vida íntima
(nossos segredos e círculo social mais restrito). Nos últimos anos, a vida
pública já havia ficado cada vez mais pública, e a própria vida privada, para
além da milenar fofoca, já vinha sofrendo as dores do avanço da internet. E a
vida íntima? Se pensávamos que ela restava incólume, agora nos deparamos com o
próprio Barack Obama, ainda que nas charges, nos mandando desligar o telefone.
A privacidade humana, violada pela
tecnologia, perdeu a sua virgindade e jamais voltará a ser como antes.
Resta-nos a adaptação a este novo jeito de viver, com pouca intimidade e
privacidade, protegendo-nos sempre da vigilância alheia. Afinal, talvez seja
até sábio aceitar o conselho do Obama das charges e finalmente desligar o
celular.
Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 20 de julho de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário