sábado, 27 de julho de 2013

Desliga você, Obama

Há não muitas semanas, o ex-técnico da CIA Edward Snowden desviou informação confidencial e divulgou para o mundo inteiro que os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido faziam espionagem em dados privados de milhares de pessoas comuns. Desde então, o debate sobre segurança nacional versus privacidade dos indivíduos voltou à tona, sobretudo nestes países, e tem ganhado destaque nos jornais e revistas do mundo todo.

Os usuários de internet, como sempre, não deixaram barato. “Espionagem em dados privados” significa que os governos americano e britânico estavam bisbilhotando o acesso de seus cidadãos a e-mails, Facebook, SMS, ligações telefônicas e mais. Em tom de humor, logo surgiram charges e caricaturas ironizando o assunto. Em uma das mais populares, um casal tenta terminar uma ligação de telefone, com a velha conversinha de “desliga você” e “ah, não, desliga você primeiro”; de súbito, Barack Obama aparece na conversa e diz “desliguem logo vocês dois”.

Apesar do gracejo, a tal charge ilustra bem o problema que, mais uma vez, entra em discussão. Até que ponto é válido se intrometer na privacidade das pessoas, mesmo que por uma “boa causa”? Teoricamente, a espionagem de dados privados de pessoas comuns, nos Estados Unidos, era protegida pela “boa causa” da guerra ao terrorismo, em que era preciso esmiuçar determinadas relações, através de telefonemas e e-mails, a fim de encontrar um possível homem-bomba e neutralizá-lo a tempo, por exemplo. Mas quais são os limites? É válido, ao buscar um ideal tão esparso (a “guerra ao terror”), devassar a vida de pessoas comuns e inocentes, pelo menos até que se prove o contrário?

Particularmente, tenho minhas dúvidas sobre se esta espionagem governamental de dados privados é verdadeiramente assustadora ou não. Se pensarmos com cuidado, mesmo despidos de todas as possíveis teorias da conspiração, talvez seja razoável supor que isto acontece há muito tempo e com quase todos os governos do mundo. Onde se exilou nossa privacidade? Depois da internet e dos avanços tecnológicos, ainda mais em vigilância governamental, ter vida privada é cada vez mais raro.

Divide-se a vida em três esferas: vida pública, vida privada (aquela entre amigos e família) e vida íntima (nossos segredos e círculo social mais restrito). Nos últimos anos, a vida pública já havia ficado cada vez mais pública, e a própria vida privada, para além da milenar fofoca, já vinha sofrendo as dores do avanço da internet. E a vida íntima? Se pensávamos que ela restava incólume, agora nos deparamos com o próprio Barack Obama, ainda que nas charges, nos mandando desligar o telefone.


A privacidade humana, violada pela tecnologia, perdeu a sua virgindade e jamais voltará a ser como antes. Resta-nos a adaptação a este novo jeito de viver, com pouca intimidade e privacidade, protegendo-nos sempre da vigilância alheia. Afinal, talvez seja até sábio aceitar o conselho do Obama das charges e finalmente desligar o celular.



Publicado no jornal AMAZONAS EM TEMPO em 20 de julho de 2013.

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